7:32Jogo eleitoral

por Leandro Mazzini, no jornal O Sul

Não vão bem as relações do senador Sergio Moro (União-PR) e o governador do Paraná, Ratinho Jr (PSD). Antes das convenções partidárias no Estado, Ratinho procurou pessoalmente candidatos do União Brasil, partido de Moro – em especial os candidatos a vice em chapas municipais – e os conquistou para as coligações. Isso abalou a confiança do senador.

7:27Elas

Duas em cada três cidades do Brasil não elegeram mulheres nos últimos vinte anos. Tá explicado porque o Brasil não vai pra frente desde a proclamação da República.

7:02José

de Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

16:29Sem perder a si mesmo

JAMIL SNEGE

O velho índio foi encontrado vagando pela floresta, aparentemente perdido. Perguntaram-lhe. Respondeu cheio de brios: “Perdi foi minha casa; não consigo encontrá-la”. Quanta lição, Senhor. O homem pode perder sua casa, sua rua, os rostos que ama – sem jamais se perder de si mesmo.

16:27Recorde diário

A olimpíada acabou lá em Paris. No Brasil a ninguenzada continua batendo recorde todo dia – sem direito a medalhas, no anonimato – e feliz quando descobre ao acordar que sobreviveu.

10:33As mãos do meu pai

de Mario Quintana

As tuas mãos têm grossas veias
como cordas azuis
sobre um fundo de manchas
já da cor da terra
— como são belas as tuas mãos
pelo quanto lidaram, acariciaram
ou fremiram da nobre cólera dos justos…
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas…
Virá dessa chama que pouco a pouco,
longamente, vieste alimentando
na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos
e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos!
E é, ainda, a vida que transfigura
as tuas mãos nodosas…
essa chama de vida —
que transcende a própria vida…
e que os Anjos, um dia,
chamarão de alma.

10:27Conte comigo

Do Analista dos Planaltos

Tem gente achando que o governador Ratinho Júnior precisa verificar direito se seu candidato em Curitiba tem mais apoio político do que engajamento. O fenômeno tem até nome: “conte comigo”.

8:14Medalha no Palácio Iguaçu

O Gaiato da Boca Maldita está ansioso para saber quando o governador Ratinho Junior vai receber os atletas olímpicos do Paraná no Palácio Iguaçu – para faturar medalha pela campanha de pré-candidatura à presidência da República.

8:09Contêiner

Quem acompanhou de perto a tentativa do tucano Beto Richa se candidatar para a disputa da prefeitura de Curitiba diz que a desistência foi como tirar um contêiner cheio de pedras das costas.

7:42Depois da Olimpíada

A Olimpíada de Paris termina hoje. O Brasil conquistou 20 medalhas, uma a menos que na competição anterior, em Tóquio, mas lá foram 7 de ouro, contra 3 de agora. Resultado normal. Anormal foi a expectativa criada por toda a propaganda e transmissões dos canais da Globo, cujos narradores pareciam torcedores ensandecidos em qualquer esporte, até em luta greco-romana (wrestling). A partir de amanhã fica o vazio de sempre, com os atletas olímpicoss sumindo do noticiário e reaparecendo daqui a quatro anos, em Los Angeles (EUA). O futebol  profissional masculino então retorna ao pódio das transmissões, como sempre, apesar de atravessar há muito tempo uma fase de dar raiva de assistir.

6:59A gaiola de Maduro

por Muniz Sodré, na FSP

Enquanto protoditador diz falar com passarinho, cabe a generais, e não a votos, dar a última palavra

Tempo biográfico de infância, interior nordestino. Bastava Seo Zezinho, o barbeiro local, estender a mão para que um passarinho, qualquer um, na rua ou no quintal, nela pousasse. Coisa bizarra, mas ninguém falava em poderes, nem o confundia com São Francisco. Era só a natureza de Seo Zezinho.

Mas existe segunda natureza. Nas autocracias sul-americanas é a bizarrice enganosa, manipulada pelo marketing político. Na Argentina, o presidente aconselha-se com um cachorro morto. Na Venezuela, um protoditador diz falar com um passarinho, suposta reencarnação do predecessor. Maduro, claro, autor do prodígio de vencer eleições antes do total apurado, bizarramente referendado por uma gaiola ideológica brasileira. Ideologia de asas curtas.

Lula tem conselheiro político de excelso saber, consta. Mas a força maior do vexame os deixa inermes. Por mais que se pretenda racional qualquer avaliação do momento sul-americano, é impossível separar o convencional do extravagante. O realismo mágico que imanta de forma encantatória a narrativa de um Gabriel Garcia Marques ganha vida real como folhetim de segunda classe, não em busca de leitores, mas de eleitores. O rito de calendário democrático, objeto tentativo da literatura especializada, é praticado como bufonaria autocrática.

À esquerda e à direita, finge-se que não vê. A primeira é geopolítica, ciosa da unidade subcontinental, nostálgica do tempo em que a Venezuela se aproximou de Cuba. Foi quando trocou a antiga classe dirigente pela “burguesia bolivariana”, um empresariado mais disperso e mais includente de generais, sob o engana-olho de “revolução bolivariana”, na verdade um slogan de golpismos anteriores. O líder era Chávez, hoje aquela pessoinha que come alpiste mediúnico na mão de Maduro.

A direita sempre assestou canhões contra Chávez, “suspeito” de socialismo. Leia-se um popularismo antenado ao estado psíquico dos marginalizados que respaldou o autoritarismo do regime, de brutal repressão a opositores e à independência dos Poderes. A democracia dos anos 70 degringolou junto com uma corrupta economia de cleptocratas, o desemprego virou onda imigratória, e o chavismo tornou-se espiritismo popular. Uma extrema direita, carnavalizada como esquerda.

Agora, como antiamericanismo de gogó não mata fome nem inspira respeito, os EUA logo proclamaram a vitória da oposição. Mas internamente cabe a generais, e não a votos, dar a última palavra. De qualquer forma, com mortos na plateia e milhares de prisões, o teatro burlesco da política fechou a cortina, palmas deram lugar a pedradas. Não são novidade, mas aumentaram de tamanho. Podem ter feito Chávez alçar voo: afinal, passarinho que come pedra sabe o rabicho que tem.