por Mario Sergio Conti, na FSP
Biografia colossal do escritor tcheco busca os enigmas de sua vida e acha o vazio
Não é preciso ler Kafka para saber o que é “kafkiano“. De tão repisada, a abertura de “A Metamorfose” é arquiconhecida: “Quando certa manhã Gregor Sansa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”.
O despertar intranquilo, para se ver no olho do redemoinho de um pesadelo do qual é impossível acordar, porque agora é real, surge também na primeira frase de “O Processo”: “Alguém certamente havia caluniado Josef K. pois uma manhã foi detido sem ter feito mal algum”.
Os poucos escritos que Kafka publicou em vida passaram em branco, mas a posteridade fez dele o escritor essencial do sombrio tempo que vivemos. É kafkiano o mundo burocrático que, com demandas sem sentido, deprime o indivíduo e então o abate como a gado num matadouro.
Há quem busque na vida de Kafka a chave que abriria o entendimento de sua obra. É o caso da colossal trilogia biográfica de Reiner Stach, o pesquisador alemão que dedicou dez anos aos atos e fatos do autor de “O Castelo”.
A Todavia publicou o segundo e, agora, o terceiro tomo de Stach, “Os Anos Decisivos” e “Os Anos de Discernimento”. Ele pediu à editora que deixasse para o ano que vem o lançamento do primeiro volume.
Foi um pedido kafkiano. O leitor cai de paraquedas no meio da vida do artista e o segue até a morte, mas o desfecho só virá no livro inicial, que trata da sua infância. Os três livros somam duas mil páginas –várias vezes mais que as obras completas de Kafka.
Stach parte do que o mago de Praga escreveu para vê-lo em família e no trabalho, com namoradas e amigos, na literatura e na Primeira Guerra Mundial. Embora exaustiva, a trilogia não exaure os enigmas da esfinge, mesmo os banais.