7:43Como será o PT sem Lula?

por Celso Rocha de Barros, na FSP

Sigla terá que deixar de ser a ala esquerda do lulismo 

Ao que tudo indica, Lula se recuperou bem do problema de saúde que teve semana passada. É um alívio gigante.

Entretanto, episódios como esse tornam evidente um fato incontornável: em algum momento dos próximos anos, Lula vai se aposentar. Vai preferir passar seus últimos anos ouvindo o choro dos bisnetos ao invés do choro do centrão.

Partido dos Trabalhadores não está bem posicionado para sobreviver sem Lula no jogo.

Durante as presidências petistas, o PT se esforçou para puxar o governo para a esquerda. Fazia todo sentido: o PT sempre governou com alianças amplas, com ministros de centro e de direita, negociando com um Congresso que sempre foi direitista. Diante desse quadro, os petistas se esforçavam para não deixar que a identidade progressista do governo fosse inteiramente apagada. Nem sempre foi fácil, mas no geral o objetivo foi alcançado.

O lulismo sempre foi mais moderado que o petismo, sempre alcançou camadas mais amplas do eleitorado. Sem Lula, o PT terá que deixar de ser a ala esquerda do Lulismo para converter-se em herdeiro do lulismo como um todo.

Para isso, terá que tomar para si as tarefas que Lula desempenhou como fiador de grandes alianças. Terá que fazer os gestos para fora da bolha de esquerda que antes eram responsabilidade de Lula.

Não vai ser fácil. Mas alguma síntese entre o petismo e o lulismo será necessária se o partido quiser continuar vencendo eleições majoritárias.

Não sei como será essa síntese –cabe aos petistas e seu eleitorado encontrá-la– mas tenho uma sugestão: não enquadrar essa discussão nos termos “mais radicalismo vs. mais moderação”, ou “virada para o centro vs. retorno às bases”.

Essas alternativas não são tão claramente diferentes assim.

A alternativa “voltar às bases”, por exemplo, costuma ser associada à esquerda mais radical. Mas muitos militantes que estão voltando às bases estão tendo que lidar com fenômenos novos, como o empreendedorismo popular, a uberização, e outras coisas que exigem ideias novas. Na eleição passada, Guilherme Boulos, um dos grandes nomes da esquerda próxima aos movimentos sociais, fez uma campanha particularmente empenhada em conversar com essa nova classe trabalhadora.

Do outro lado, Fernando Haddad é provavelmente o principal nome do PT moderado no momento. Mas justamente porque está tentando colocar as contas públicas em dia, Haddad foi o primeiro ministro da Fazenda petista a comprar a briga da taxação dos ricos. Guido Mantega, que muitos colocariam à esquerda de Haddad, notabilizou-se por conceder isenções fiscais para grandes empresas.

Uma outra questão é saber se o PT conseguirá construir essa alternativa sozinho.

A reforma política de 2017 estabeleceu regras que já estão reduzindo o número de partidos brasileiros e criando grandes máquinas partidárias, quase todas de direita. Para o PT conseguir competir com esses partidos riquíssimos, é provável que precise organizar uma federação com outros partidos. Falei da ideia da federação de esquerda na coluna de 19 de outubro deste ano.

Uma coisa é certa: se a esquerda só começar a pensar no pós-Lula no dia seguinte à sua aposentadoria, há o risco real de não haver um partido de esquerda forte no Brasil por muitos anos.

10:24Aniversário e comemoração

O ministro Alexandre de Moraes nasceu no dia 13 de dezembro de 1968, data da instituição do famigerado AI-5 da Ditadura Militar. Ontem ele assoprou as velinhas e hoje deu ordem para prender um general quatro estrelas que, pelas investigações da PF, pretendia participar de um golpe contra a democracia.

10:16O general e o samba

O general Braga Netto foi o comandante na intervenção na Segurança do Rio de Janeiro em 2018 no governo de Michel Temer. Não houve mudança alguma. De lá pra cá a coisa piorou muito. Virou ministro de Bolsonaro e vice na chapa para a reeleição. Agora é preso na esteira das investigações sobre tentativa de golpe para impedir a posse de Lula. Está guardado entre os muros do Comando Militar do Leste, que comandou. Só isso já daria mais uma estrofe da letra do “Samba do Crioulo Doido”, de Sergio Porto, o Stanislaw Ponte Preta. Expressionante!

10:00Jingle Hells

por Carlos Castelo           

Natal. Aquele espetáculo anual de hipocrisia, embriaguez e lamentações, embalado em papéis que custam mais caro do que o presente em si.

Se o Natal fosse um objeto certamente seria um CD dos anos 90. E, assim como a anacrônica mídia hoje em dia, arranhada, fora de moda e relegada ao fundo das gavetas.

Não há dúvida: o Natal está fadado a um fim trágico e previsível.

Mas, antes de tudo, falemos sobre a magia natalina. Aliás, alguém já viu essa magia? Porque passei as últimas décadas pelos shoppings da vida no mês de dezembro e só vi mães exaustas, crianças exigindo brinquedos de milhares de reais e pais com a expressão de quem perderam a vontade de viver. Se existe magia, está escondida entre a décima-segunda prateleira de panetones e aquele Papai Noel da 25 de Março tocando saxofone que mais parece estar tendo um AVC.

Agora, um brevíssimo comentário sobre as músicas natalinas. Quem foi o gênio que achou que seria uma boa ideia tocar “Jingle Bells”, em looping, por 45 dias? Isso não é espírito natalino, é tortura. Nem Netanyahu e Bashar Al Assad chegaram a um ponto desses.

Aposto que, no futuro, quando arqueólogos alienígenas encontrarem registros do nosso 25 de dezembro, vão concluir que “Então é Natal”, na voz de Simone, foi uma arma secreta criada para dizimar a humanidade. E, francamente, não dá para dizer que estariam errados.

Quanto à ceia: por que raios decidimos que uma refeição de 14 pratos, incluindo peru seco o suficiente para usar como gesso na construção civil, é a melhor forma de celebrar o nascimento de um bebê em um estábulo?

Se há algo que também revela a decadência dessa festa (festa?), são os presentes. Todo ano é a mesma história: passamos horas escolhendo uma lembrança que será devolvida, ou trocada, assim que as lojas abrirem no dia 26. Quem se importa com carinho na atualidade, afinal? O importante é o cupom fiscal.

Mas o golpe final, assim como no caso do CD, veio com a contemporaneidade. O streaming substituiu o compact disc; e, pelo visto, a Amazon substituiu o Papai Noel. O novo trenó é um entregador, suado, deixando sua encomenda na porta, enquanto você informa o código de recebimento. E nem ouse comprar algo físico. Hoje em dia, o presente de verdade é um gift card. Porque nada expressa melhor “eu te amo” do que repassar a alguém o perrengue de escolher o próprio presente.

No fim, como já dissemos, o Natal está seguindo os passos do CD: outrora amado, agora cada vez mais ignorado, exceto pelos nostálgicos que ainda têm um tocador portátil.

E, pensando bem, talvez seja hora de deixar Santa Claus descansar. Quem sabe, daqui a uns 50 anos, a gente olhe para trás e pense: “Lembra do Natal? Que coisa doida. Ainda bem que acabou, que nem a pandemia.”

Até lá, espero que o leitor guarde bem seus últimos CDs – ainda podem valer alguma coisa no Mercado Livre em 2074.

(Publicado no Rascunho)

8:38Surpresa!

Do Goela de Ouro

A nova administração da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná, vai surpreender os três lados que disputaram a recente eleição.

8:15Rosangela Moro e os votos paranaenses

Com o marido Sergio Moro firme na disposição de disputar o governo do estado em 2026, Rosangela segue o caminho para ter votos suficientes dos paranaenses para a reeleição à Câmara dos Deputados. A experiência amarga de ser vice na chapa de Ney Leprevost na disputa da prefeitura de Curitiba foi apagada, mesmo porque houve brigas internas de poder que ficaram expostas. Rosangela foi eleita deputada federal por São Paulo em 2022 com mais de 217.170 votos. Voltou a ter domicílio eleitoral em Curitiba, onde mora, e acredita que o legado da Lava Jato, que cacifou a eleição para o Senado do ex-juiz federal e ex-ministro, também vai lhe dar respaldo nas urnas.

7:51JORNAL DO CÍNICO

Do Filósofo do Centro Cínico

O general era vice e foi preso. Pela ordem hierárquica do Brasil, o capitão que era comandante em chefe das forças armadas deverá seguir o mesmo caminho. Se acontecer antes do dia 25, pelo menos 50 milhões de brasileiros acreditarão em Papai Noel.

7:19PF prende Braga Netto

O general Braga Netto, ex-vice de Jair Bolsonaro na chapa de 2022, foi preso hoje cedo pela Polícia Federal no Rio de Janeiro. Ele é alvo do inquérito do golpe. Os federais fazem buscas na casa dele. A informação é de Andréia Sadi, no G1. O general será entregue ao Comando Militar do Leste e ficará sob custódia do Exército.

7:07A Curitiba de Dalton foi do porre ao pó, da tara à curra, do sabiá à barata leprosa

por Mario Sergio Conti, na FSP

Quem eram os deuses desse artista negativo? Quem ele execrava?

Quem fez as contas informa que Dalton Trevisan publicou cerca de 700 contos que se passam em Curitiba, burgo onde “a chuva engorda o barro e dá de beber aos mortos”. Ali nasceu, viveu 99 anos e morreu na segunda-feira (9). Foi com extensíssimo conhecimento de causa que escreveu:

“Não permita Deus que eu morra
Sem que daqui me vá
Sem que diga adeus ao pinheiro
Onde já não canta o sabiá”.

São versos da sua “Canção do Exílio”, que parodia a de Gonçalves Dias. Se o ufanismo do parnasiano exalta as aves que aqui gorjeiam, a chacota de Dalton azucrina a Curitiba das “baratas leprosas com caspa na sobrancelha”, dos “ratos piolhentos de gravata-borboleta”.

Embora o bom humor acentue o deboche, a energia que move a “Canção” e a literatura do Vampiro é bem outra: a negatividade. Conciso, cáustico, abrasivo, ele mereceu a coroa de loas dos obituários. Seu estilo incisivo, todavia, estava a serviço da negação do modo de ser dos curitibanos, esses brasileiros.

São todos uns calhordas, João e Maria, rameiras e rufiões, mansos e pulhas. “A humanidade, a meu ver, se compõe em grande maioria de filhos da puta,” disse numa carta. Escrevia por que, então? “Não escrevo para mudar a vida, melhorar o mundo ou salvar minha alma. Escrever é a única justificativa que encontro para estar vivo.”

Dalton escrevia e reiterava o que via e vivia. O que essa operação produzia era muitas vezes torpe, penoso de ler. A repetição a que se entregava normalizava a degradação, fazia girar o abominável carrossel dos contos com curras e pedofilia.

Na antologia “Gente de Curitiba”, dois contos em sequência relatam um mesmo estupro, do ponto de vista da estuprada e do estuprador –uma mãe e seu filho. Nunca se leu nada imundo assim, nem a monstruosidade moral foi tão explícita. Detalhada, a atrocidade roça o sadismo.

Antes dos dois contos, está “Ei, Vampiro, qual é a Tua?”, um bate-boca irritado de Dalton consigo mesmo, no qual oscila entre se justificar e reprovar. Diz que “com bons sentimentos se faz a pior literatura”, mas “não bastam maus pensamentos para cometer boas letras”.

Termina o texto (conto-confissão, diálogo-dialética, arranca-rabo?) dando a entender que não deveria fazer o que –contudo!– faz: relatar o estupro da mãe pelo filho com minúcia e distância, fundir arte e horror. Não foi à toa que escreveu: “O escritor é irmão de Caim e primo distante de Abel”.

Ao longo da décadas, Dalton radicalizou o estilo. Abreviou os contos. Reduziu as tramas a esqueletos. Limou adjetivos. Liofilizou-se em aforismos: “Ai de Sansão, fosse bom amante, não o trocaria Dalila por um filisteu qualquer”. “No mundo dos cabotinos um toque de modéstia é a gota de sangue na gema de ovo.” “O falo ereto –única ponte entre duas almas gêmeas.”

A fragmentação da prosa mimetizou o estilhaçamento de Curitiba, a cidade sem charme que sintetiza o Brasil brutal. Os curitibanos foram do porre à fissura por pico, pó, pedras; do folclore à crueldade; do mito ao real. Das taras de antanho às curras por toda parte: “Podem me condenar, babacas e bundões. O que eu faço? Tudo o que vocês gostariam. Eu sou um de vocês”.

Ninguém é humano na humanidade rebaixada. Não existe redenção para aqueles cuja única inquietação espiritual provém da leitura do horóscopo. Já eram a lírica da alma singular e a épica da ação coletiva. Salve-se quem puder? Nem isso: salvação não há.

Mas eis que uma frase bela brota na sua obra: “o amor é uma corruíra no jardim –de repente ela canta e muda toda paisagem”. Mas logo tromba com uma sentença ácida: “o amor é uma faca no coração; cada dia se enterra mais fundo, que não deixe de sangrar”. No fim, quem vinga é o casal que um dia se amou, hoje convive às turras e só se fala por bilhetes.

Quem eram os deuses desse artista negativo? O Machado de “Dom Casmurro”; o Joyce de “Dublinenses”; o Pedro Nava de “Baú de Ossos”; Cervantes, Rubem Braga e Proust inteiros.

Quem execrava? O Machado de “Esaú e Jacó” (“ai, que livro mais chato”); o Guimarães Rosa de “Grande Sertão: Veredas” (“a forma é inovadora, mas o fundo reacionário”); o García Márquez de “O General em seu Labirinto” (“fecho de ouro em cada parágrafo –para dizer o quê?”).

Quem era o homem? O carinha de 19 anos que rachou o crânio quando a caldeira da olaria do pai explodiu. O aventureiro de 25 que fez uma viagem iniciática de quatro meses pela Europa. O Dalton de quase um século que no mês passado relia Ivan Lessa e ria, feliz da vida.

17:27Pico na veia

Pico na veia e a vontade de perseguir. Do outro lado da linha o chefe concordou. Do alto do prédio em frente, as primeiras imagens. A casa da esquina, o terreno imenso e uma fileira de árvores sem as copas. Pareciam fantasmas inertes a observar. Como se fosse um puxadinho, o lugar preferido para a obra revisada até no inferno, se possível. Pico na veia na capa de um livro na vitrine do shopping. Matou o chefe num boteco aberto só para isso na Boca do Lixo. O projeto? Parou quando o telefone foi desligado. O trabalho normal continuou. Notícias do Brasil e do mundo na tela de tv. No banheiro imenso a busca frenética da morte. Décadas depois, o anúncio no serviço funerário. Sobrevivente, a constatação de que ele, sim, conseguiu. Deixou o Pico na Veia para ler e reler e reler e reler…