por Carlos Castelo
Ao regressar do treino de cross-fit, o literato Josimar Nut Ella finalmente encontrou tempo para verter no seu notebook o texto destinado ao concurso nacional de minicontos. A sugestão provinha de seu editor: tecer uma narrativa que englobasse todos os grupos minoritários, incorporando a multidiversidade no enredo. As probabilidades de alcançar o prêmio e ser entrevistado pela Quatro Cinco Um seriam amplificadas ao máximo se seguisse o conselho. Quiçá, após a vitória, fosse convidado para uma mesa na FLIP?
Nut Ella inalou seu vape, exalando a fumaça aromatizada, e redigiu o seguinte:
«Em um movimentado parque de São Paulo, um grupo improvável de pessoas foi atraído pelo aroma irresistível de pães veganos recém-saídos do forno. No mesmo quiosque estavam Seu Honório, um ancião obeso com um brilho profundo nos olhos; Fabiano, um gay com talento para a poesia; Roberta, mulher transgênero de coração tão cálido quanto seu sorriso; Mendes, um homem negro que amava a música; Ana, uma senhora que se locomove em cadeira de rodas, de inteligência aguda e entusiasmo pela vida; Onofre, um rapaz pobre com uma riqueza de sonhos; Maria, uma imigrante com a mochila repleta de esperanças; Pedro, um refugiado que busca consolo em uma terra estranha; Zeco, uma criança de rua com uma resiliência que desmente sua tenra idade; Clara, uma mulher forte que exala força e graça; Ivo, um morador das ruas da cidade; Ykara, uma indígena de profunda conexão com a terra; Iara, uma praticante de candomblé que canaliza a sabedoria ancestral de seus antepassados; Sofia, uma mulher queer que desafia as normas sociais; Alex, um indivíduo assexual que abraça seu eu autêntico; e Luna, uma pessoa intersexual que questiona os limites do gênero.»
Depois de outra tragada no e-cigarette, o autor prosseguiu para o desfecho de seu miniconto:
«Enquanto saboreavam os pães, as conversas fluíam. Nesse cadinho de identidades, todas as diferenças se dissipavam. Não eram mais apenas um ancião obeso, um gay, uma mulher transgênero, um negro, uma mulher com deficiência, uma pessoa de baixa renda, um imigrante, um refugiado, uma criança de rua, uma mulher, uma pessoa em situação de rua, um indígena, uma candomblecista, uma pessoa queer, uma pessoa assexual ou uma pessoa intersexual. Eram, de fato, uma tapeçaria tecida com diversos fios, cada um acrescentando suas características exclusivas. Quando o sol começou a se pôr, lançando sombras sobre o parque, o grupo improvável se despediu, os corações aquecidos pela conexão recém-descoberta.»
Ao colocar o ponto final, Josemir Nut Ella releu o material e fez uma primeira revisão. Em seguida, enviou-o para seu mailing de blogueiros amigos. Era importante obter a opinião desses influenciadores literários. Vai que se esquecera de alguma minoria; o concurso nacional de minicontos e a FLIP, de maneira alguma, dessa vez poderiam ser comprometidos. Cautela e pão vegano nunca fizeram mal a ninguém.
(Publicado no O Dia)