por Mário Montanha Teixeira Filho
Foi há bastante tempo, num dia qualquer do começo da década de oitenta. Eu vinha pela estrada, sozinho e sem pressa, quando meus olhos avistaram o ponto desejado, a xícara enorme pendurada numa torre modesta de tijolo aparente – a torre do chá Tupi. Era onde eu deveria estacionar. Dei o sinal e saí da pista, sempre com os olhos naquela peça de louça estilizada a evocar uma sonoridade que me encantou desde a primeira viagem, quando nós dois nos encontramos, a peça e eu, eu ainda criança. Gostava de repetir o nome da marca estampada na xícara improvável, repetir com as variações que a minha cabeça inventava: chá tupi, chatupi, patropi, sapoti, pororó, piriri, xatupi, xaropi… Essa brincadeira produzia, sem que eu percebesse, uma imensidão de poemas concretos, aleatórios e ingênuos. E eu voltava para o banco de trás do carro, satisfeito e pronto para seguir.
Naquele dia do começo da década de oitenta, quando o motorista solitário era eu e a tarde se preparava para o descanso, fiz o que (se) esperava de mim: parei para esticar as pernas antes de me largar no espaço acolhedor do restaurante, mesa colada no muro baixo que dava para o lado de fora, num quintal cheio de árvores. Feito o pedido, o garçom, um tipo de gravata borboleta e paletó impecável, me atendeu e serviu um pão crocante com bife de carne macia coberta por uma porção generosa de queijo. E uma xícara – sim, a xícara – de café preto, e não de chá Tupi.
Enquanto o lanche supremo me ocupava, notei que, entre uma viga de sustentação e a base do muro, uma pequena aranha se dedicava a construir sua teia, num desenho lógico, circular e perfeito. À medida que tecia, se esticava lentamente na direção de um inseto desatento caído na armadilha da morte. Aquilo chamou minha atenção. Tudo me impressionou: a engenharia perfeita da obra, o esforço da transformação fiandeira, a beleza arquitetônica da seda iluminada pelos raios derradeiros do sol.
Permaneci entretido mais do que havia planejado, submerso no encantamento que me provocou a aranha no exercício do seu ofício. Eu era testemunha de um destino de Sísifo. Toda aquela estrutura, a curiosidade me levou a pesquisar, estava condenada a ser destruída antes do amanhecer. A artesã caprichosa devoraria seu castelo lentamente, necessitada de repor a energia consumida durante o trabalho exaustivo. Continue lendo →