Do Filósofo do Centro Cínico
51% dos brasileiros têm mais medo da polícia do que confiança nela. Os outros não responderam a pesquisa porque correram apavorados ao saber do assunto.
Do Filósofo do Centro Cínico
51% dos brasileiros têm mais medo da polícia do que confiança nela. Os outros não responderam a pesquisa porque correram apavorados ao saber do assunto.
Recebo mensagem apócrifa em minha conta: DEUS QUER QUE VOCÊ O CONHEÇA.
Respondo: “Melhor não. Vive pedindo dinheiro pra todo mundo”.
Para quem ainda não sabe, Jesus Cristo vem aí.
Clara – Foto de Sonia Maschke
por Ruy Castro, na FSP
Não. A tecnologia é muito rápida e suas grandes novidades são logo condenadas à pré-história
Se você tem 30 anos ou menos, desafio-o a me dizer o que significa a palavra Tumblr. Se não souber, não se martirize, eu também não sei. Só sei que, há uns dez anos, quando me perguntaram se eu tinha o Tumblr e, vexado, respondi que não, só faltaram me condenar ao desterro em 1.500 a.C. Como era possível a um profissional da palavra escrita, como eu, dispensar o Tumblr? Pois passei muito bem sem ele, continuo por aqui, e o Tumblr faz parte agora da pré-história da informática. E pior: nunca entendi o significado da palavra nem como pronunciá-la.
O mesmo aconteceu quando o Blu-ray veio condenar à morte o DVD. Ao contrário de meus amigos, não amanheci em filas nem pisoteei pescoços para ser o primeiro a comprá-lo. Na verdade, nunca o comprei. Depois de levar a vida assistindo a filmes na tela do cinema, na TV, no VHS, no laser disc e, finalmente, no DVD, convenci-me de que, com aquelas maravilhosas edições restauradas e cheias de extras em DVD, filmes como “O Gabinete do Dr. Caligari”, “Luzes da Cidade”, “Pacto de Sangue”, “Cantando na Chuva” e “Uma Mulher Para Dois” não tinham mais como melhorar. Daí ignorei o Blue-ray —e não é que, com o streaming, meus amigos fizeram o mesmo?
Sempre mantendo segura distância para não me contaminar, levei anos ouvindo falar de “ferramentas” como iPod, MP3 e MP4, que nunca soube para o que serviam, e, hoje, provavelmente você também não sabe. Outra maravilha quando surgiu foi o celular com rádio, para transmitir mensagens a jato. Pois lamento confessar que nunca me beneficiei do celular com rádio e sobrevivi para ver que essa maravilha nem existe mais. Só faltam compará-lo ao orelhão.
E quem se lembra do Google Glass, o computador em forma de óculos, que permitiria interagir, fotografar, acessar a internet, fazer videoconferências e chupar tangerinas sem tirar a casca? Disseram que seria uma revolução. Mas não foi. Como nem os camelôs se interessaram por ele, o Google suspirou e o tirou de linha.
Esse é o problema. A tecnologia é muito rápida. Quando você afinal se interessa por uma novidade, ela não existe mais.
por Luiz Felipe Pondè
Vivemos num período semelhante à decadência do Império Romano e marcado pelo caos moral e político
O mundo moderno está em pedaços. Um mal-estar atravessa muitos corações. São muitas as formas de interpretação desse mal-estar —para além, é claro, da clássica visão freudiana que não é nosso objeto aqui e para a qual nutro grande respeito.
Muitos entendem que esse mal-estar não existe e seja apenas a recorrente sensação humana de que alguma coisa esteja fora do lugar. O mundo carregaria a imperfeição em seu coração —visão trágica. A modernidade destruiu o passado e colocou o dinheiro no lugar de todos os valores —visão romântica. Concordo com ambas.
Vejamos hoje uma outra análise desse mal-estar moderno. Tenho em mente o livro “A Opção Beneditina, Uma Estratégia para cristãos em uma nação pós-cristã”, de Rod Dreher, de 2017 —que conta com tradução em português.
A nação que consta no título são os Estados Unidos, já que o autor é um escritor cristão americano conservador— nascido metodista, convertido nos anos 1990 ao catolicismo, hoje integrante da igreja ortodoxa russa, que vive na Hungria, um laboratório de ideias conservadoras.
Sei que a palavra “cristão” e “conservador” deixam algumas pessoas com o cabelo em pé, prontas a jogar sua ignorância em cima de quem as usa com respeito. Deixemos a caravana de raivosos passar.
Pessoalmente, não partilho das visões absolutamente negativas de Dreher quanto às liberdades individuais construídas pela experiência liberal democrática. Nem partilho do seu conservadorismo cristão de costumes.
Além disso, não sou religioso, o que me afasta de grande parte de sua visão metafísica de mundo. O que julgo interessante em sua “opção beneditina” é sua crítica à modernidade e sua proposta de como viver em meio a ela. Lendo o livro “Depois da Virtude”, lançado em 1981, do filósofo britânico Alasdair McIntyre, Dreher ficou impactado pelas observações finais em que o filósofo afirma que o mundo precisava de um novo são Bento.
MacIntyre merece uma atenção especial, que pretendo dar em algum momento futuro. Aqui não irei além dessa referência acima porque ela é muito importante para entender o argumento de Dreher. Antes de tudo, quem foi são Bento? Bento de Núrsia (480-547) é considerado o pai do monaquismo ocidental.
Criador da ordem beneditina, são Bento redigiu uma regra monástica básica, não distante daquelas como a de Basílio Magno (329-379), da Capadócia, em que a vida do monge seria pautada pela oração, pelo estudo e pelo trabalho árduo.
O momento em que viveu são Bento é muito significativo tanto para MacIntyre quanto para Dreher. Vivendo durante o reino ostrogodo, Roma está em profunda decadência. O Império Romano ocidental em frangalhos, a era das trevas se iniciava, com o esfarelamento institucional da ordem romana na Europa.
A ideia de que vivemos num período semelhante à decadência do Império Romano é amplamente reconhecida no mundo intelectual. Como dirá o padre Cassiano, abade do mosteiro beneditino de Núrsia, visitado num dado momento por Dreher, “há que se preparar para o que está vindo”.
Ao saber que os juízes do Mato Grosso pediram “auxílio ceia” de R$ 10 mil – e iam levar, não fosse a intervenção do Conselho Nacional de Justiça, o Gaiato da Boca Maldita perdeu a compostura: “Para dragas carcomidas como estas, nem panetone embolorado é rejeitado, quanto mais dinheiro público”.
A arte de ser louco é jamais cometer a loucura de ser um sujeito normal. (Raul Seixas)
*Gravação de 1952
No Rio de Janeiro um historiador que trabalhou para a Comissão da Verdade estava de malas prontas para sair do país por conta das tramas do golpe militar que acabou em trapalhada e prisão de militares da ativa e da reserva. Ele conta que, se desse certo, o que aconteceu na fase negra da repressão na ditadura ia parecer conto de fadas.
Acabou aquela história de escrever palavrão nas paredes dos mictórios públicos. Blogueia-se, ao invés. (Ivan Lessa)
Do Filósofo do Centro Cínico
Jair Bolsonaro vai terminar o ano como o melhor presente para a direita e para a esquerda no Brasil. Aos partidários porque até agora não foi preso. Aos adversários porque o general Braga Netto está engaiolado e a notícia esperada está muito próxima de ser anunciada.
No Tribunal de Contas do Paraná até o espelho d’água que cerca o prédio principal fez marola com as notícias da semana que precede a do Natal. Primeiro foi a suspensão, pelo Tribunal de Justiça, da decisão sobre o pagamento de R$ 12 milhões ao conselheiro Maurício Requião referentes ao tempo em que ele ficou afastado, por decisão judicial, do cargo. Quando tudo estava praticamente certo e ele já agradecia Papai Noel, a coisa emperrou e agora ficou para o ano que vem, quando tudo pode mudar, como no slogan da BandNews. Depois foi a licitação de 25 mil tablets, pelo governo do Paraná, a serem alugados por 3 anos – e devolvidos depois, a um custo de 37,8 milhões. A 2ª Inspetoria de Controle Externo do TC entrou de sola e uma das coisas que apontou foi a que que os tablets poderiam ser comprados definitivamente por cerca de R$ 25 milhões. Por isso pediu a suspensão da licitação. Segundo o blog Politicamente, a Secretaria de Educação respondeu informando que o recurso é federal e específico para locação. Resultado: o conselheiro Durval Amaral negou o pedido de suspensão, o pregão foi realizado na quinta-feira e a empresa Sistemas Convex Locações de Produtos de Informática, do Jardim São Luis, em São Paulo, ganhou a disputa com um deságio de 50% do valor máximo estipulado.
Tava tão apressado que acabou esquecendo o juízo em casa.
Foto de Ralf G. Stade
por Elio Gaspari, na FSP
Governo Lula fingia e o ‘mercado’ fazia que acreditava
A alta do dólar e a erosão da popularidade do governo fecharam a primeira metade de Lula 3.0. Prenuncia-se uma segunda metade cinzenta, na qual acumulam-se dificuldades do calendário, como o ano eleitoral, e imprevistos, como a incerteza em relação à saúde do presidente. Uma coisa era certa: a mágica verbal com a economia teria um limite e se esgotou.
Desde sua posse, Lula alternou malabares. Nos dias pares, culpava Roberto Campos Neto por uma economia que patinava. Nos ímpares, buscava, sem sucesso, um protagonismo internacional. Gastou dois anos tentando trocar êxitos, como a reforma tributária, enquanto escondia que seu governo não cortava despesas. Portanto, não cumpriria a meta do equilíbrio fiscal prometido durante a campanha eleitoral.
O golpe final na mágica veio do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, esvaziando a teoria segundo a qual o real desvalorizou-se por causa de uma ataque especulativo.
Nas suas palavras: “Eu acho que não é correto tentar tratar o mercado como um bloco monolítico, vamos dizer assim, como se fosse uma coisa só, que está coordenada, andando em um único sentido”.
Galípolo cortou o caminho para a criação de um novo bode. O dólar estaria onde está porque a Faria Lima, essa eterna malvada, moveu-lhe um ataque especulativo. Tudo culpa da ganância. Se a Faria Lima especulou, fez isso enquanto fingia acreditar no Lula 3.0. Muita gente boa perdeu dinheiro porque fingiu demais.
Há especulação na alta do dólar, mas na essência ela reflete falta de confiança no governo. O “mercado” fingiu por dois anos que acreditava nas promessas. Como em todos os piripaques da economia, num determinado momento ele para de fingir. No Brasil, essa dissimulação ocorre com grandes empresários elogiando o governo no atacado, com entrevistas ou eventos, enquanto bicam no varejo, no escurinho de Brasília.
Na segunda metade do mandato, essa esperteza estará congelada. Com a chegada do verão na vida real, começou o inverno na economia.
por Luciana Coelho, na FSP
Morre o jornalista João Batista Natali, que desvendava música clássica e geopolítica
Repórter, editor e colunista que trabalhou na Folha por mais de quatro décadas tinha 76 anos e teve complicações de um câncer no cérebro
João Batista Natali voltou da ginástica e se sentiu “dentro de um imenso parque infantil, sem saber ao certo por qual brinquedo começar”. Era 3 de novembro de 2008, e ele escolhia o que fazer com o tempo uma vez que a Folha, titular daquela rotina por quase dois terços de seus então 60 anos, não mais o ocupava.
“A nova vida de verdade começa nesta segunda-feira”, contou em email a esta amiga naquele primeiro dia de aposentadoria.
“Acho que vou primeiro ler um pouco de Stendhal, um dos livros que trouxe da França. Depois, dar um jeito nas tranqueiras que trouxe de meu gaveteiro. E em seguida almoçar, dormir um pouco e mais tarde ficar abraçado com o violoncelo.”
Essa nova rotina espelhava uma vida. Natali, afinal, sempre foi música e literatura tanto quanto foi jornalismo, e a França onde vivera de 1971 a 1982 se fez presença permanente, das preferências culturais às precisas análises geopolíticas.
Ele próprio explicou, em um longo depoimento com vocação para livro, em 2001: “Nunca me senti única e exclusivamente jornalista. Sou muitas coisas ao mesmo tempo”.
Era mesmo. Após aquele 2008 da virada, acrescentaria outras tantas em sua lista, que já acumulava correspondente internacional, orientando do filósofo Roland Barthes (1915-1980), secretário de Redação da Folha, repórter, editor de “Mundo”, pai do André, marido da Daniele e cozinheiro talentoso.
Ainda seria comentarista da TV Gazeta, professor, diretor de Redação do Diário do Comércio, colunista da Folha. A mais importante veio no fim de 2009, quando nasceu Heitor: aos 61, era pai pela segunda vez. Os feitos do filho nos esportes e na escola eram objeto de um orgulho incontível que compartilhava com os amigos.
João Batista Natali Jr —Natali para os amigos e leitores, Júnior para a família, João para a mulher— morreu na madrugada deste sábado (21), em São Paulo, mesma cidade onde nascera em abril de 1948. Ele estava internado desde 11 de novembro no hospital Sírio-Libanês para tratar de complicações decorrentes de um câncer no cérebro.
O tumor, que lhe roubou por um curto período sua intimidade com as palavras, foi o primeiro a combali-lo.
Doenças passadas, como um câncer no pulmão no início do ano, um quadro gravíssimo de Covid em 2021 e sucessivos problemas cardíacos antes disso, eram tratadas pelo jornalista com humor e pragmatismo.
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