da Revista EXAME, em reportagem de Tatiana Bautzer
O empreiteiro paraense Cecílio do Rego Almeida construiu um império a partir do nada. Filho de um carteiro e de uma dona de casa, estudou engenharia e abriu sua construtora, a CR Almeida, no final da década de 50. Nas décadas seguintes, colecionou grandes projetos e certa polêmica.
A CR Almeida virou uma das maiores empreiteiras do país ao construir rodovias e ferrovias durante o regime militar. Enquanto isso, nos anos 90 o empreiteiro foi acusado de encomendar grampos ilegais de antigos sócios e, no episódio mais conhecido, da grilagem de uma fazenda no Pará do tamanho da Bélgica e da Holanda juntas.
Nas entrevistas que concedia sobre o tema, xingava desde promotores até ministros. Três anos antes de morrer de infarto em 2008, dizia que seu grupo, que incluía a construtora, uma empresa química e concessões rodoviárias, valia cerca de 5 bilhões de reais.
Sete anos depois, o grupo CR Almeida continua dono de uma construtora e da empresa de concessões rodoviárias EcoRodovias — que juntas faturam 6 bilhões de reais ao ano. Mas os seis herdeiros de Cecílio têm, hoje, um grupo empresarial que vale muito pouco.
Em setembro, os herdeiros colocaram o negócio à venda. Até o fim de outubro, data definida para que os interessados façam propostas, saberão se a participação na EcoRodovias e na construtora CR Almeida renderá algum dinheiro. É possível que o dinheiro seja suficiente apenas para pagar as dívidas.
O processo de venda da holding Primav, que controla as duas empresas, está sendo coordenado pelos bancos Merrill Lynch, Bradesco e BTG Pactual. As propostas dos interessados — entre eles as empresas de concessões CCR e Arteris e o grupo francês de infraestrutura Vinci — deverão ser entregues ao longo deste mês. No processo, a construtora deve ser cindida da Primav.
Como a família chegou a essa situação? No complicado processo de sucessão de Cecílio do Rego Almeida, o principal responsável pela condução dos negócios ficou sendo um de seus genros, Marco Cassou, casado com a filha Denise. Era uma solução de consenso para a divisão entre os herdeiros.
Cecílio se divorciou, na década de 90, da primeira mulher, Rosa Maria Beltrão Rischbieter, com quem teve os seis filhos. Anos depois do divórcio, Rosa entrou na Justiça questionando a gestão das empresas. Entre os filhos, Denise, Roberto e César ficaram do lado do pai. Os outros dividiram-se entre a neutralidade e o lado da mãe.
O caçula, o ex-deputado Marcelo Almeida, agia como intermediário entre os dois grupos. Cassou foi o nome de consenso. Ele conduziu a abertura do capital da EcoRodovias em 2010, junto com César Almeida, e fez uma gestão bem-sucedida até 2012, quando o principal sócio na empresa, o grupo italiano Impregilo, decidiu sair dos investimentos fora da Europa. Foi aí que as coisas começaram a se complicar.
Apesar de já ter 45% da empresa e não precisar comprar os 19% dos sócios para mandar no negócio, Cassou decidiu — para espanto de outros membros da família — endividar a Primav para comprar a participação dos italianos. “Cassou não queria correr o risco de ter um sócio desconhecido que atrapalhasse o negócio”, diz um executivo do grupo.
Para isso, tomou empréstimos para comprar as ações, apostando que os preços delas só subiriam. A holding familiar fez uma emissão de debêntures de 2 bilhões de reais, dando como garantia o restante de sua participação. O BTG Pactual ficaria com todos os papéis, mas, por insistência da parte “oposicionista” da família — que temia ficar na mão de um credor só —, acabou parcelando a dívida com outros bancos.
Além disso, pagou acima da cotação dos papéis em bolsa, como se estivesse comprando o controle. Em vez dos 16 reais da cotação na época, a Primav pagou 19. Cassou apostou que os dividendos bastariam para pagar com folga o empréstimo. De fato, a EcoRodovias acelerou o pagamento de dividendos — nos últimos dois anos foi de 1,2 bilhão de reais, 50% acima do lucro do período.
O problema é que, no último ano, o aumento dos juros elevou a dívida para 2,23 bilhões de reais. Agora, a empresa está pagando parcelas anuais de mais de 200 milhões de reais, além dos juros. Ao mesmo tempo, as ações da EcoRodovias caíram 60% desde a operação com os italianos.
Resultado: a participação comprada por 2 bilhões de reais vale apenas 630 milhões. Toda a participação da família Almeida na EcoRodovias vale 2,1 bilhões de reais — menos, portanto, do que a dívida acumulada para comprar a participação dos italianos.
Problema operacional
Em paralelo, a EcoRodovias adotou desde 2012 uma estratégia operacional que só piorou as coisas. A ideia era diversificar a atuação para operação portuária e logística. Comprou terminais do complexo Tecondi, em Santos, depois rebatizados de Ecoporto. Mas, nos últimos dois anos, a competição aumentou e a rentabilidade caiu.
No segundo trimestre do, por exemplo, o volume de contêineres movimentados caiu 40%; e o preço, 15%. A geração de caixa foi negativa em 3 milhões de reais. Os investimentos na empresa de logística Elog também não deram resultado. “O porto e a empresa de logística reduzem o lucro das concessões rodoviárias”, diz o analista Renato Hallgren, do Banco do Brasil.
Com maus resultados e pagando dividendos exagerados, a própria EcoRodovias acabou endividada demais. Hoje, deve 4 bilhões de reais, o equivalente a 3,3 vezes sua geração de caixa. Resultado: a EcoRodovias também está sendo obrigada a vender o que pode.
A empresa de logística e o porto foram colocados à venda pelo banco Credit Suisse em maio, num dos piores momentos para o setor de infraestrutura no país. E praticamente ao mesmo tempo em que precisa ser resolvido o problema da dívida da holding. “Não é o ideal, mas os dois processos devem correr simultaneamente”, afirma o executivo de um dos bancos envolvidos na venda.
A família preferiria vender uma participação na Primav, holding que controla a EcoRodovias e a construtora CR Almeida e que emitiu as debêntures. Mas os interessados, como a CCR, preferem investir diretamente na EcoRodovias e não têm interesse na construtora. A CR Almeida é considerada uma construtora média para os padrões do setor, com faturamento de cerca de 600 milhões de reais.
No ano passado, deu prejuízo de 72 milhões. Todos os envolvidos admitem que a emissão das debêntures para compra de ações resultou numa perda bilionária, mas acreditam que seja possível encontrar uma solução e atenuar a situação atual.
Em resposta por e-mail a EXAME, Cassou afirma que o valor da participação da família nas empresas não é zero e que isso só ocorreria “se a Primav vendesse toda a participação na EcoRodovias a valor de mercado, sem prêmio, e se a dívida, com prazo de cinco anos, fosse antecipada”. Procurados, os filhos de Cecílio não deram entrevista.
Cassou afirma também que o resultado final da estratégia financeira só poderá ser apurado no longo prazo. Esta, claro, é a esperança dos herdeiros de Cecílio do Rego Almeida: que, na estrada que levou o grupo e a família à situação atual, haja um caminho de volta.