por Ruy Castro, na FSP
Irma Vap é Irmã Vap, Elizeth Cardoso é Elizabeth Cardoso e Nelson Rodrigues é Nelson Gonçalves
Outro dia, ao noticiar a morte de Ney Latorraca, a TV citou o seu grande sucesso no teatro: “O Mistério de Irmã Vap”. Um simples til que se intrometeu no texto mandou uma história de vampiro para o convento, não por culpa do apresentador. Ele sabia que se tratava de “Irma Vap”, palíndromo de “vampira”. Foi apenas traído pelo teleprompter que, distraído como sempre, aceitou a “correção” automática, que é burra e vive se metendo onde não deve. Acontece com frequência —em 1990, a sagrada Elizeth Cardoso foi morta por outro apresentador como Elizabeth Cardoso.
Mas não vamos crucificar o corretor. Os humanos também erram. Marques Rebelo (1907-1973), grande escritor plebeu, autor de “A Estrela Sobe” (1939), tornou-se, na voz de uma severa palestrante, Marquês Rebelo. O poeta Cassiano Ricardo quis impressionar seus então admiradores concretistas citando o matemático alemão Frobenius (1849-1917). Mas chamou-o de Febrônio, um temido serial killer no Rio dos anos 1930. Malcolm X (1925-1965), líder negro americano que não aceitava usar seu sobrenome branco, foi canonizado num jornal como Malcolm 10º.
Ésquilo, o dramaturgo grego do século 6º a.C., autor de “Prometeu Acorrentado”, virou Esquilo, não se sabe se o Tico ou o Teco. A peça “Antígona”, de Sófocles, quase da mesma época, e talvez por isso, virou “Antigona”. “Losango Cáqui”, livro de Mario de Andrade, de 1926, transformou-se em “Losango Caqui”, como na fruta. E Jesus Cristo, coitado, morreu em vão na cruz —alguém preferiu enforcá-lo. Todos esses tropeços foram dados por pessoas cultas. Ou quase, algumas só no esmalte.
E as palavras que ganham uma nova versão que parece fazer sentido? Chuva de granizo vira chuva de granito. Gôndola de farmácia, glândula de farmácia. Vaso sanitário, vaso solitário. Já ouvi tudo isso. Mas a campeã é mister, metamorfoseada em míster.
Em 1992, quando lancei meu livro “O Anjo Pornográfico”, biografia de Nelson Rodrigues, um repórter da TV veio me entrevistar. “E aí, Ruy, e o seu livro sobre o Nelson Gonçalves?”. Respondi: “Não é sobre o Nelson Gonçalves. É sobre o Nelson Ned.”
Ruy, como sempre, deliciosamente nos brindandocom textos sem igual, e que nos fazem não só refletir, mas, e também, rir. O humor de Ruy Castro continua inigualável. O texto é um excelente tônico – eu disse TÔNICO, e não Tonico -, para encerrar a semana.