por Mário Montanha Teixeira Filho
Estou numa atividade coletiva, um congresso, uma reunião política ou algo parecido, e o debate é agitado. Carrego o peso de dias difíceis, derrotas pessoais e dramas que maltratam minha intimidade. Observo alguns quartos de alojamento, sacolas de plástico nos braços, em busca de contato. Encontro, então, um companheiro que conheço de muitos anos, sem que tenhamos estabelecido afinidade, embora nosso relacionamento sempre tenha sido cordial.
Ele me oferece a chave de um apartamento, ou dormitório, não sei bem, de número quinze, para eu descansar e acomodar minhas tralhas. Aceito a gentileza e abro a porta. Dou com uma cena familiar, a mãe do meu conhecido conversa com alguns parentes e, ao mesmo tempo, me convida a entrar. Fico meio sem jeito, mas aos poucos me integro ao ambiente, que se amplia quando caminho na direção de uma porta aberta. Há outra plenária ali, paralela à oficial, pessoas que formam grupos e articulam em voz baixa, poucas permanecem sentadas, os delegados ainda aguardam convocação da mesa.
Sigo a carregar os pacotes, e o meu conhecido me indica uma estante, tipo de supermercado, para que eu me livre da carga e venha participar da atividade. Faço o que ele diz, ajeito os pertences depois de conferir um dos embrulhos, que está cheio de porcas e parafusos de metal. Com os olhos fixos no conteúdo, elaboro na mente um discurso. Imediatamente, sou levado a um púlpito, de onde acompanho a agitação geral, as conversas paralelas, o que me impede de dar início. Respiro com calma, improviso anotações numa folha de papel, me concentro e começo a falar. Abro a intervenção com o balanço de uma greve recente, num lugar de história famosa. Destaco a organização do movimento, fruto de um trabalho compartilhado com a base dos operários. E comparo com a situação enfrentada no encontro. As condições são muito diferentes, é preciso criar uma unidade que ainda não existe, eu insisto em dizer.
Minhas palavras se espalham, diluídas na agitação, ouço comentários breves, pertinentes ou nem tanto, e sinto que o esforço que empreendo é inútil. No fundo da sala, uma cabeça solitária, a que me interessa, a que me inspira, faz sinal de concordância, mas não interfere nem acrescenta nada à minha defesa. Interrompo a fala, afasto o microfone e ninguém percebe, o burburinho é cada vez mais intenso. Recolho o papel com as anotações que fiz, vou à prateleira de supermercado, pego de volta as sacolas, verifico com atenção a que contém os parafusos e as porcas, atravesso a sala onde estão a mãe e os parentes, largo a chave do apartamento ou dormitório número quinze numa estante posta diante de mim, que me parece adequada, e saio em silêncio.
A noite se foi, é madrugada e uma neblina toma conta da rua por onde caminho sem pressa.