6:40Eles existem

por Ruy Castro, na FSP

Vivemos em bolhas e, pela primeira vez, vi-me em meio a um grupo de negacionistas

Um bate-papo na sala de espera de um hospital pode ser mais torturante do que a perspectiva de um exame delicado ou a expectativa por um diagnóstico. Num mau dia, ouvem-se opiniões estarrecedoras. No meu caso, foi na semana passada, pela voz de quatro ou cinco homens e mulheres, todos articulados e com leitura talvez acima da média, num ambiente —um reduto médico— em que, se não acreditamos na ciência, não sei o que estamos fazendo ali.

De repente, falou-se da vacina contra a Covid. Dois deles admitiram que se vacinaram, mas a contragosto e só uma vez. Um casal à minha frente declarou que não se vacinou, e o marido explicou por quê. Eram contra a obrigatoriedade, temiam os efeitos colaterais —”trombose, AVC, enfarte”— e não acreditavam que uma vacina pudesse ser fabricada em um ano. A prova estava em que, citando uma estatística, morreram mais vacinados em 2022 do que não vacinados em 2021.

Outro na roda era um alemão, bem sacudido para os seus 70 e tal, com leve sotaque no português bem falado. Estava revoltado com a invasão de muçulmanos na Alemanha, “empesteando-a com suas doenças e obrigando o governo a sustentá-los à custa dos alemães”. Um exemplo de que a imigração arruinava um país, segundo ele, era a Inglaterra, tão ocupada pelos indianos que, até há pouco, o primeiro-ministro britânico era um.

As chuvas em Porto Alegre, o furacão nos EUA e os ventos em São Paulo também não tinham a ver com extremos climáticos. Sempre aconteceram, a mídia é que não falava neles. E o degelo da calota polar era mentira —a Groenlândia há dois séculos era um jardim e hoje é uma geleira.

Temo que o leitor não acredite que ouvi esses disparates numa sala de espera de hospital há alguns dias. Eu também não acreditava enquanto ouvia. Vivemos em bolhas e ali me dei conta de que, até então, nunca me vira entre negacionistas hidrófobos. Mas eles existem e não eram cínicos, pareciam convencidos do que diziam. Perguntei ao alemão se, em sua opinião, a Terra era redonda ou plana. Ele riu: “Que pergunta é essa? Estamos falando a sério!”. E fiquei sem saber o que ele achava.

6 ideias sobre “Eles existem

  1. Jose.

    Negacionistas existem em todos os lugares e tem até um partido: aquele que acredita que lula é a alma mais inocente “deffepaíz”.
    O grande problema dos imbecís à esquerda e à direita é que eles continuam achando que não existe inteligência fora a deles.

  2. Julio Só

    Depois de um texto desses vem o Zé Ruella falar do Lula? Esse sentiu o golpe. A doença do século XXI é a desinformação e o negacionismo. Mata mais que a maioria das doenças. Mata principalmente os neurônios dos idiotas.

  3. Jose.

    Júlio, vc faz parte de qual grupo?
    Só usei o exemplo do lula para de novo demonstrar que lulistas e bolsonaristas são iguais, você comprovou.

  4. Francisco Lima

    Devemos contribuir pra informar ou desinformar? Por que vencem as vacinas?

    “As razões da queda na vacinação
    Em agosto, o Brasil iniciou uma campanha de vacinação infantil em massa contra o sarampo e a poliomielite em meio a um quadro que causa apreensão. As taxas de imunização de crianças contra 17 doenças – entre elas o sarampo – atingiram em 2017 os níveis mais baixos em muitos anos.

    O Ministério da Saúde e especialistas em imunologia, epidemiologia e saúde pública ouvidos pela reportagem enumeram nove razões para explicar a queda abrupta nos números. Os motivos vão da percepção enganosa de parte da população de que não é preciso vacinar porque as doenças desapareceram a problemas com o sistema informatizado de registro de vacinação. Todas são causas plausíveis e prováveis e possivelmente atuam em conjunto. Elas, porém, ainda não foram quantificadas, o que ajudaria a identificar e a executar ações complementares às campanhas de vacinação para resgatar os níveis de imunização elevados do passado.

    Transmitido pelo ar, seu causador – um vírus do gênero Morbilivirus – provoca febre alta, mal-estar, tosse persistente, conjuntivite e deixa manchas vermelhas pelo corpo. Ele ataca as células do sistema imunológico e reduz por um período longo as defesas do organismo, favorecendo a ocorrência de infecções secundárias que podem matar. O vírus do sarampo havia sido eliminado do Brasil em 2016 e voltou agora via Venezuela. De fevereiro a 23 de julho, deixou 822 pessoas doentes – foram 272 casos em Roraima, 519 no Amazonas, 14 no Rio de Janeiro, 13 no Rio Grande do Sul, 2 no Pará, 1 em São Paulo e 1 em Rondônia – e causou cinco mortes.
    Fonte: Revista Pesquisa Fapesp”

    Sobre a vacina da Covid-19:
    “A Moderna já recolheu 1,2 milhão de unidades que estavam com o ministério para trocar por doses com validade mais longa. Documentos internos da Saúde apontam que as cerca de 3 milhões de vacinas restantes, todas vencidas, devem ser substituídas em dezembro por um modelo mais atual da farmacêutica, adaptado à cepa JN.1.

    O plano do ministério era dar tração à imunização da Covid nesta ano com a compra dos lotes da Moderna. O contrato emergencial, porém, foi assinado depois do planejado pela pasta e as doses só começaram a ser entregues ao SUS em maio.

    A empresa ainda entregou vacinas com validade mais curta do que o contrato exigia. Por este motivo, o ministério pediu em agosto para a Moderna trocar, sem despesa adicional, as vacinas prestes a vencer.

    No fim de setembro, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) deu o aval para a importação de 1,2 milhão de vacinas com validade até 2025 para substituir os lotes já recolhidos pela farmacêutica. As doses ainda precisam passar pelo controle de qualidade, entre outras verificações, antes da distribuição para a rede pública.”
    Fonte: Folha de São Paulo

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