7:06Abjetos de desejo

por Carlos Castelo

Otaviano começou a roer as unhas e, quando fazia isso, estava com algo entalado na garganta. Morivaldo, que já o conhecia de outros carnavais, quis logo saber o que pegava.
– Você acredita, Mori: estou com a mesma capinha de celular há um mês?
– Sério?
– O pior de tudo é que é uma capinha megadesatualizada, nem entrada de carregador tem!
– Realmente, é delicado. Chegou a pensar sobre o que pode ser feito?
– Bom, eu comecei a fazer terapia. Eu estava numa linha junguiana, troquei pela Comportamental. Vai mais direto ao ponto, sabe?
– Muito justo e bem pensado.
– Não sei se é impressão minha, mas, de repente, passei a achar que os outros estavam olhando diferente pra mim.
– Por causa da capinha?
– Sim, eu andando com uma capinha antiga, sacou? Tem um peso na imagem.
– Não seria apenas uma sensação?
– Nada disso. Sabe a Ivana, lá do serviço?
– A ruiva?
– Isso. Pois ela chegou a “comentar” sobre a capinha. Olhou feio para o meu celular, virou os olhos, e deu um suspiro bem alto. Foi mais direto do que se dissesse que eu era ridículo.
– Ai, ai, ai.
– Eu me sinto inadequado aonde quer que vá. Olho em volta e todos, simplesmente todos, já têm a capinha com o carregador integrado. Ou então aquelas que vem com glitter.
Morivaldo ofereceu um cigarro a Otaviano. Ambos começaram a soltar baforadas.
– Vou te confessar um troço, Ota. Estou com um problema muito parecido com o seu.
– Mentira!
– Juro pra você.
– Se quiser contar…
– Comigo é o vape. Todo mundo tem um, e eu ainda nesse cigarro analógico.
– Superentendo.
– Encontro a galera por aí, eles soltando aquela fumaça bonita, perfumada. Aroma de baunilha caramelo, mentol, e eu…
– Calma, Mori, não fica assim. Espera…pega um lencinho de papel…
– E eu…
– Respira fundo, cara…
– Pô, desculpa, mas realmente fica difícil de aceitar. Só quem já passou por algo parecido sabe o quanto machuca.
– Ih, como te entendo.
– O pior é que sou reincidente. Ano passado queria, porque queria, um Crocs de pelúcia. Minha família teve até que me levar ao psiquiatra.
– Não é só você, não, Mori. Minha irmã teve a fase da meia com os dedos separados e estampa berrante. Chegou a vender um relógio da minha mãe pra comprar.
– Nossa, como a gente é fracassado.
– Triste.

(Publicado no O Dia)

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