Dois morangos foram esquecidos na geladeira. Resolvi entrevistá-los. Antes da primeira pergunta, um deles, o maior, disse que eles não eram pretos. Eu sei, sussurrei – são vermelhos. Pediram para eu falar mais baixo porque souberam que a minha casa era cercada de bolsonaristas na rua. “Eles são capazes de invadir e jogar a gente no pote de cebolinhas”. Aproveitei o momento para tomar um golão de gasosa de framboesa. Achei que tudo aquilo era delírio, mas engatei uma segunda e perguntei porque eles estavam ali, desprotegidos, já que na semana anterior havia uma caixa cheia de parentes ou não sei o quê. O menor revelou que foi uma retaliação da dona da casa – porque se recusaram a enfeitar uma maria-mole que ela fez e desandou. Desisti. Fechei a porta da geladeira. Ouvi gritos. São revolucionários, pensei. Abri de novo, peguei os dois, enfiei numa tigela, cobri com creme de chantily e comi. Não para rimar, mas para me salvar.