8:54Nonato, o chato

por Carlos Castelo

Nonato era chato. Tão chato que rimava com chato. Quando morreu, muitos choraram – de alívio. Mas o destino quis que fosse para o céu. Ser chato nunca foi pecado. É só um dom especial de irritar o próximo.
Ao chegar aos portões celestes, Nonato se deparou com São Pedro.
“Então é essa a famosa chave celeste, é?” – foi indagando ao vê-la nas mãos do guardião.
“Sim”, concordou o santo.
“Achei que fosse fechadura eletrônica, o bagulho aqui é antiquado mesmo…” – ironizou.
Mal foi admitido no paraíso, já começaram as reclamações. “Essas nuvens são moles demais. Dá uma sensação estranha nos pés da gente. Por que o chão não é de madeira? Economia é a base da porcaria…”
Um anjo que passava tentou ser simpático. “Olá, espero que esteja gostando.”
Nonato franziu o nariz. “Gostando? Dessas harpas desafinadas? E esse tom de dourado em tudo? Brega demais!”
A notícia da chegada do novo morador se espalhou. Todos começaram a evitá-lo. Até mesmo os querubins, conhecidos por sua paciência infinita, inventavam desculpas para não ficar perto dele.
Um dia, Jesus resolveu dar as boas-vindas a Nonato.
“Meu filho,” disse JC com um sorriso acolhedor, “como está sendo sua experiência aqui?”
Nonato não perdeu tempo. “Meia boca. O café é fraco, as nuvens parecem geleia, e a decoração lembra a casa da minha avó. Ah, aliás, a sua túnica está com manchas de vinho. Relaxo, hein?”.
Jesus ficou atônito. Em mais de dois mil anos, era a primeira vez que alguém falava mal do paraíso. E da sua roupa.
A situação ficou crítica e Deus-pai resolveu intervir. Materializando-se diante de Nonato, o Criador trovejou: “Nonato, Nonato. O que podemos fazer para melhorar sua estadia?”
Nonato coçou o queixo. “Pra começar, essa luz toda aí vindo do senhor está me dando dor de cabeça. Não dá pra regular o dimmer? E olha, na boa, acho que Sua Santidade devia repensar esse negócio de Todo-Poderoso. É autoritário demais, sabe?”
Deus se calou. Então, com um estalar de seus dedos, Nonato sumiu.
São Pedro, que assistia à cena, perguntou: “Senhor, o que o senhor fez com ele?”
Deus sorriu. “Dei a ele o que ele queria.”
Naquele momento, Nonato se viu em um lugar escuro e abafado. Ao seu redor, pessoas sofriam em agonia. Um demônio se aproximou.
“Bem-vindo às trevas, Nonato!”
O chato olhou em volta. Então, para surpresa do demônio, abriu um sorriso.
“Enfim, um lugar decente! Nada de harpas fora do tom, nuvens bizarras. E esse calor? Ótimo para a circulação”
O demônio desacreditou. Alguém feliz no inferno era inédito.
Nonato continuou: “Agora, deixa eu só te dizer uma coisa, esses gritos de agonia estão muito pobrezinhos. Que tal dar uma turbinada na coisa? Chama o Pinochet, vê o que ele pode fazer. E as labaredas podiam ser mais altas, estão muito michas”
O demônio teve que chamar Lúcifer. E assim, Nonato encontrou um lugar perfeito, onde poderia infernizar por toda a eternidade. Como sabemos, o verdadeiro paraíso de um chato é o inferno dos outros.

(Publicado no O Dia)

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