6:49Domingão de ilusão

por Carlos Castelo

Zilá acordou mais tarde. A casa no subúrbio estava silenciosa, mas não por muito tempo. Com um movimento quase automático, ela alcançou o controle remoto e ligou a televisão, sintonizando no canal de sempre.
A voz estridente e familiar do risonho apresentador encheu o ambiente. “Bom fim de semana, Brasil!” gritou o animador, seu imenso sorriso ocupando toda a tela. Zilá sorriu de volta, como se cumprimentasse um velho amigo.
Era o ponto alto da semana. Por horas, ela ficaria grudada na TV, presenciando aquele riso farto conduzir uma série de quadros previsíveis, mas reconfortantes. Enquanto preparava o café, Zilá ouvia as piadas do apresentador, gargalhando mesmo já sabendo o final delas.
O programa avançava com sua conhecida fórmula. Calouros desafinados cantavam, sendo ora zombados, ora elogiados. Famílias em dificuldades recebiam prêmios em meio a lágrimas e abraços efusivos. Subcelebridades promoviam seus novos trabalhos em entrevistas ocas.
Zilá assistia a tudo, absorta. Quando o apresentador anunciou: agora, vamos ao nosso quadro ‘Gincana da Vergonha Alheia!’, Zilá se ajeitou na cadeira, excitada. Era seu momento favorito, onde participantes faziam coisas ridículas em troca de dinheiro.
Entre uma atração e outra, comerciais vendiam produtos que Zilá não podia comprar, mas que a faziam sonhar com uma vida diferente. Ela fazia anotações mentais: um dia teria aquele carro, aquele celular, aquelas roupas de marca.
As horas passaram voando. Quando o programa acabou, já era noite. Zilá se sentiu vazia. Mas se consolou sabendo que, no próximo domingo, o animador estaria lá de novo, com seu sorrisão e as promessas de diversão e emotividade.
Na manhã seguinte, Zilá acordou com o despertador tocando bem cedinho. Era hora de voltar ao trabalho. Enquanto se arrumava apressada, pensava em como o tempo demorava a passar até o outro final de semana, quando poderia escapar para o mundo colorido e ruidoso do programa de auditório
Enquanto Zilá se perdia em seus pensamentos, o ônibus passava por ruas esburacadas, prédios pichados e decadentes. Sua mente estava ocupada demais repassando os momentos hilários da atração, as fofocas sobre famosos, os prêmios que poderia ganhar se pagasse o carnê em dia. As preocupações com o aumento do aluguel, a falta de medicamentos no postinho e a violência no bairro pareciam distantes. Para Zilá, os dilemas podiam esperar um pouco mais – afinal, o que poderia ela fazer a respeito? Só se lamentar.
(Entendeu agora o que é indústria cultural?)

(Publicado no O Dia)

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