por Jerson Kelman, na FSP
Usina é obra de engenharia que orgulha brasileiros e paraguaios. Já a governança da Itaipu Binacional…
A usina hidrelétrica de Itaipu —campeã mundial em produção acumulada de energia renovável e despachável— é obra de engenharia que orgulha brasileiros e paraguaios. Pena que o mesmo não possa ser dito sobre a governança da empresa Itaipu Binacional.
Em maio passado, o governo anunciou um “entendimento” com o Paraguai sobre a tarifa de Itaipu como algo positivo. Mas, ao contrário, esse “entendimento” aprofunda a injustiça tarifária do setor elétrico. É também desnecessário porque o Tratado de Itaipu não prevê a negociação da tarifa e sim o cálculo para cobrir os custos.
Além disso, por ser uma negociação gravosa aos consumidores brasileiros, deveria ter sido aprovado pelo Congresso (artigo 49, inciso 1º da Constituição Federal).
A tarifa deveria ser calculada para
- Amortizar a dívida contraída para a construção da usina
- Pagar royalties aos países pelo uso da água
- Custear sua exploração
Como a dívida (item 1) terminou de ser paga em 2024, a tarifa deveria ter caído para cerca da metade, o que não ocorreu.
Os royalties (item 2), da ordem de US$ 580 milhões por ano são divididos igualmente entre os países, apesar dos consumidores brasileiros do Sul, Sudeste, e Centro-Oeste pagarem a maior parte da conta (cerca de 80%) porque o Paraguai usa somente 20% da energia e vende os 30% remanescentes para o Brasil.
Os custos de exploração (item 3) deveriam ser exclusivamente os necessários à operação e manutenção da usina. Porém, desde 2022, as autoridades dos dois lados da fronteira têm aberto negociações para também incluir nesse item “puxadinhos” sob a insuspeita rubrica de “despesas socioambientais”.
Devido a essas negociações, desnecessárias e prejudiciais para os consumidores brasileiros, nos últimos três anos o custo de exploração mais que triplicou, passando de US$ 700 milhões para mais de US$ 2 bilhões por ano, incluindo os US$ 660 milhões anuais do recente “entendimento”.
O governo anunciou que o “entendimento” não aumentaria a tarifa porque Itaipu fará um cashback de US$ 300 milhões por ano até 2026. Todavia, esse cashback precisaria ser US$ 528 milhões por ano (80% de US$ 660 milhões por ano).
O acréscimo acumulado do custo de exploração para custear despesas socioambientais, de mais de US$ 1,4 bilhões por ano, é uma montanha de dinheiro e será aplicada em partes iguais, no Brasil e no Paraguai. Só que, assim como os royalties, são os consumidores brasileiros que pagam 80% da conta. É um custo que não deveria existir.
Se inevitável, deveria beneficiar todos os estados pagantes. Porém, o grosso dos benefícios no lado brasileiro ficam no Paraná. Recente decisão também beneficia Belém, cujos consumidores sequer pagam a tarifa de Itaipu.
Antes da “festa”, Itaipu fazia repasses financeiros para 53 municípios do Paraná e 1 do Mato Grosso do Sul. Depois, passou para 399 e 35, respectivamente. Enio Verri, presidente de Itaipu, numa entrevista à CNN, em 27 de junho, passou verniz técnico em decisão política. Disse que municípios paranaenses recebem ajuda porque seus resíduos poderiam assorear o reservatório da usina. Não explicou por que são beneficiados municípios cortados por rios que escoam diretamente para o mar, sem passar por Itaipu.
Felizmente, há esperança para o consumidores brasileiros: segundo o “entendimento”, a programada revisão do Anexo C do Tratado deverá ser concluída até o final do corrente ano e conter cláusula garantindo que a partir de 2027 a tarifa voltará a ser calculada pelo custo. O governo tem a obrigação de diligenciar para que esse compromisso seja cumprido no prazo pactuado.