8:01Código de Ética do STF: exposição de motivos

por Conrado Hübner Mendes, na FSP

Uma ideia ignorada por ministros, uma proposta que ajuda na avaliação cidadã

Três ministros do STF, três fatos e uma leitura. Só para exemplificar.

Ministro com camisa do Real Madrid, em camarote da final da Liga dos Campeões, depois de sequência de eventos privados na Europa, posa com empresário em rede social. Diárias de seu segurança pagas pelo Estado. Não pergunte quem pagou outros custos.

Ministro ruralista vai a festa da bancada ruralista na capital e posa com presidente da Câmara (cuja investigação sobre corrupção o ministro mandou arquivar); sua empresa sedia encontro anual de lobby político em Lisboa e causa recesso extraoficial no calendário estatal; a empresa também firmou parceria com a CBF, cujo presidente foi beneficiado por liminar dada pelo ministro. Etc.

Ministro-presidente do tribunal dá entrevista e alega “incompreensão”, “implicância” e “preconceito contra empresários” diante das críticas à promiscuidade. Mas pondera: “se há uma percepção negativa da sociedade”, seria possível uma “discussão interna”.

“Percepção negativa”, ministros, há. Ela é superlativa e generalizada. Em vez de “discussão interna”, a democracia prefere discussão aberta. Se, por crônica indisposição em entrar num diálogo franco sobre limites éticos, não estão dispostos a essa conversa pública, podemos tê-la sem sua autorização.

O estado agudo de deterioração institucional do STF não é só noturno. Já virou diurno, vespertino, rotineiro.

Não confundam essa sociedade que expressa percepção negativa sobre o tribunal com o numeroso grupo de advogados que lhes ofertam jantares. Nem confundam críticos legítimos com os extremistas que almejam fechar o STF. Esses, aos poucos, vão conseguindo. Pois se pode “fechar o STF” sem fechar o STF.

Seus críticos são aliados do STF. Extremistas, inimigos. Não ignorem a diferença. Daí a importância de refinarem a jurisprudência da liberdade de expressão para não colocarem ambos no mesmo saco e censurarem reportagens incômodas por aí.

Viemos aqui discutir um código de ética. Vamos ser propositivos.

Códigos de ética não servem só para tentar enquadrar vocacionados para o ilícito. Não mudam caráter, mas iluminam condutas. Juízes, mesmo os íntegros e estudiosos, até mesmo os moralmente apaixonados por si, estão sujeitos a regras especiais. Porque juiz honesto pode despertar desconfiança, tanto por conduta pública quanto privada. Porque ética judicial se preocupa com o que juiz faz na sexta à noite, fora do gabinete.

Se ministros do STF dizem que o Código de Ética da Magistratura a eles não se aplica, por presunção desorientada de hierarquia judicial; se não redigem para si um código de ética, por falta de zelo pela instituição, ou por excesso de zelo por si mesmos, podemos, ao menos entre nós, adotar um código que nos permita avaliar. Não porque tenhamos expectativa na vocação de ministros em obedecê-lo, mas porque importa organizar as razões pelas quais julgamos.

Algo que nos lembre do certo e errado, do normal e anormal, do admissível e inadmissível, do próprio e impróprio. Que oriente nosso juízo e submeta o tribunal ao controle difuso da cidadania. Que nos permita aferir se a queda de respeitabilidade do STF é justificada, se devemos ter respeito ou aversão diante de seu comportamento.

Temos de explicar, racionalmente, o sentimento público que vossas excelências despertam. Para que não possam se mostrar incrédulos, surpresos ou injustiçados. Para que não soe como implicância nem incompreensão. Sabemos do que estamos falando.

Se ministros quiserem nos surpreender com exemplos de integridade, a oferta de regeneração é serventia da cidadania.

Nosso código de ética não terá nada novo. E será super didático. Podem permanecer à vontade, como parecem estar. Se há algo que aprendemos com sua conduta pública é a não esperar o bom exemplo.

Não sabemos o que vai sobrar do STF, nem o que vai sobrar do projeto constitucional sem o STF. Talvez não sobre nem o texto. Talvez sobrem os ministros, abraçados ao centrão fundamentalista e a generais, cantando a vitória da democracia num país sem direitos. Será o melhor retrato de nossa cultura da “pacificação”. Hermenêutica constitunegocial conjugada no futuro do pretérito.

Na semana que vem, exporemos os princípios desse código, segundo padrões universais da ética judicial. Na seguinte, as regras específicas, tendo em conta as particularidades criativas do descalabro comportamental em curso.

Aproveitem Lisboa. Na volta, contem dessa “discussão interna” na metrópole. Depois a gente conversa sobre decoro.

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