de Carlos Castelo
Ontem, eu estava assistindo ao Jornal Nacional quando soou a campainha. Achei estranho porque normalmente avisam da portaria pelo interfone. Dei uma olhada pelo olho mágico, antes de qualquer coisa, e achei a cara conhecida. Ao abrir a porta, tive certeza: era o Paul McCartney.
Tirei o som da TV e ofereci uma cadeira.
– De novo no Brasil, hein, Paul?
– Pois é, gostei da brincadeira, disse ele acendendo um baseado.
– Mas vai ter algum outro show surpresa? Sei lá, em Cabrobó?
– Dessa vez, nada de shows. É que eu estava a fim de passar meu aniversário num lugar diferente.
– Ah, não! Seu aniversário é hoje? Pô, parabéns, cara!
– Valeu.
– Pretende passar onde, vai ter festa na casa do Luciano Huck?
– Na real, não. Aliás, se você permitir, vou passar aqui mesmo no seu apartamento.
– Sério?
– Ando preferindo mais privacidade nessas datas, sabe?
– Entendi.
– E não deixa de ser um jeito de completar 82 anos de um modo bem diferente.
– Se é!
– Só não quero atrapalhar.
– Relaxa, Paul. Tô só fazendo minhas coisinhas normais de home office, fica sussa. Ah, importante: a senha do Wi-Fi tá pregada num post-it no banheiro, ok?
– Ok, ok.
– Se quiser beber alguma coisa, tem breja na geladeira. Ah, e pãozinho, mortadela, queijo prato…
– Cerveja, eu tomo, mortadela não dá, sou vegetariano, você deve saber.
– Quem não sabe? Sua vida sai mais na mídia do que a guerra na Faixa de Gaza.
– É o business, não tem muito jeito.
– Pois é, você até fez aquela música “When I’m sixty four”, pensando que se aposentaria por ali. Como não deu, agora tem que correr atrás.
– Nem fala.
– Mudo de canal? Talvez queira ver algo no Netflix, não?
– Deixa quieto.
– Humm, já sei! Pornotube, né? Pode falar na boa, eu vejo direto.
– O que está me dando agora é um pouquinho de fome.
– Lariquinha?
– Hahaha, talvez.
– Olha só, rapaz, não fiz mercado essa semana ainda. Foi mal. Não quer pedir uma pizza? Muçarela você come?
– Como, sim.
– Vou pedir então no IFood. Guenta a mão aí.
– Obrigadão.
– …
– Prontinho, tá feita a encomenda. Chega em 15.
– Great!
– Só vou te pedir um favorzão, pode ser?
– Até dois.
– Quando tocarem o interfone, desce lá na portaria e pega teu pedido com o motoboy. Preciso entrar num call com a firma. E o negócio é pontual.
– Desço, sim.
– Grande Paul! E, se lavar o prato e os talheres depois, te mostro uma graminha de Pernambuco que é o puro Lucy in the sky with diamonds, bicho!
(Publicado no Estadão)