11:18Yesterday

de Carlos Castelo

Ontem, eu estava assistindo ao Jornal Nacional quando soou a campainha. Achei estranho porque normalmente avisam da portaria pelo interfone. Dei uma olhada pelo olho mágico, antes de qualquer coisa, e achei a cara conhecida. Ao abrir a porta, tive certeza: era o Paul McCartney.

Tirei o som da TV e ofereci uma cadeira.

– De novo no Brasil, hein, Paul?

– Pois é, gostei da brincadeira, disse ele acendendo um baseado.

– Mas vai ter algum outro show surpresa? Sei lá, em Cabrobó?

– Dessa vez, nada de shows. É que eu estava a fim de passar meu aniversário num lugar diferente.

– Ah, não! Seu aniversário é hoje? Pô, parabéns, cara!

– Valeu.

– Pretende passar onde, vai ter festa na casa do Luciano Huck?

– Na real, não. Aliás, se você permitir, vou passar aqui mesmo no seu apartamento.

– Sério?

– Ando preferindo mais privacidade nessas datas, sabe?

– Entendi.

– E não deixa de ser um jeito de completar 82 anos de um modo bem diferente.

– Se é!

– Só não quero atrapalhar.

– Relaxa, Paul. Tô só fazendo minhas coisinhas normais de home office, fica sussa. Ah, importante: a senha do Wi-Fi tá pregada num post-it no banheiro, ok?

– Ok, ok.

– Se quiser beber alguma coisa, tem breja na geladeira. Ah, e pãozinho, mortadela, queijo prato…

– Cerveja, eu tomo, mortadela não dá, sou vegetariano, você deve saber.

– Quem não sabe? Sua vida sai mais na mídia do que a guerra na Faixa de Gaza.

– É o business, não tem muito jeito.

– Pois é, você até fez aquela música “When I’m sixty four”, pensando que se aposentaria por ali. Como não deu, agora tem que correr atrás.

– Nem fala.

– Mudo de canal? Talvez queira ver algo no Netflix, não?

– Deixa quieto.

– Humm, já sei! Pornotube, né? Pode falar na boa, eu vejo direto.

– O que está me dando agora é um pouquinho de fome.

– Lariquinha?

– Hahaha, talvez.

– Olha só, rapaz, não fiz mercado essa semana ainda. Foi mal. Não quer pedir uma pizza? Muçarela você come?

– Como, sim.

– Vou pedir então no IFood. Guenta a mão aí.

– Obrigadão.

– …

– Prontinho, tá feita a encomenda. Chega em 15.

– Great!

– Só vou te pedir um favorzão, pode ser?

– Até dois.

– Quando tocarem o interfone, desce lá na portaria e pega teu pedido com o motoboy. Preciso entrar num call com a firma. E o negócio é pontual.

– Desço, sim.

– Grande Paul! E, se lavar o prato e os talheres depois, te mostro uma graminha de Pernambuco que é o puro Lucy in the sky with diamonds, bicho!

(Publicado no Estadão)

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