por Joel Pinheiro da Fonseca, na FSP
Quem milita contra a educação sexual nas escolas contribui para o problema
Se ficarmos calados, a bancada religiosa não pensará duas vezes antes de aprovar esse PL do aborto e muitos outros na mesma direção. Mesmo a conservadora lei brasileira é muito branda para quem jura ver no embrião já um ser humano pleno dotado de direitos.
Há que se reconhecer, contudo, que um feto de mais 22 semanas está já num grau de desenvolvimento que levanta ressalvas. A lei tem que traçar uma linha em algum lugar. Com mais 22 semanas, o feto já tem reações —ao toque, por exemplo— que condizem com a senciência, ainda que num nível básico. A partir da 25ª semana, já pode sentir dor.
Ainda assim, obrigar uma vítima de estupro, ainda mais quando se trata de criança, a levar a gravidez adiante até o nascimento do bebê é uma violência psicológica e um risco físico. Desse modo, mesmo se a descoberta da gravidez for tardia, quando a barriga começa a aparecer, ela tem que ter seu direito legal ao aborto garantido.
Estima-se que cerca de um terço dos abortos legais seja feito após as 22 semanas. Parte disso são casos de anencefalia, que só é descoberta com a gravidez já avançada. Outro tanto, contudo, são vítimas de estupro que demoram a descobrir a gravidez. Podemos concordar que, tendo se chegado a esse ponto, qualquer escolha é trágica e envolverá muito sofrimento. Por mais que em alguns casos o aborto tardio seja necessário, é desejável reduzir ao máximo esses casos.
O primeiro passo é educação sexual. Uma pré-adolescente deve saber como se dá a reprodução humana (e saber identificar a gravidez ainda nos estágios iniciais). Deve saber também diferenciar sexo consensual, abuso e estupro, para que reconheça e possa denunciar caso seja vítima ou conheça uma vítima. Por fim, deve conhecer a lei brasileira e saber seus direitos e o caminho para exercê-los. Todo conservador que milita contra a educação sexual nas escolas contribui diretamente para o aumento de abortos tardios.
Juízes, médicos e hospitais que se negam a autorizar ou praticar o aborto legal são outro problema. A objeção de consciência médica deve ser permitida apenas quando houver alternativas de fácil acesso disponíveis à mulher.
Por fim, reduzir o número de abortos por motivo de estupro envolve combater a sério o estupro. Neste fim de semana, mais um caso virou notícia: homem é preso por estuprar enteada, surda. Ocorre que ele já a tinha estuprado e engravidado em 2018. Depois de seis anos preso, já estava solto e pronto para estuprar novamente. Se mesmo o condenado é tratado com tamanha leniência, é uma surpresa que a violência sexual corra solta?
Segundo o Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifuspesp), ao menos 213 presos por crimes sexuais receberam o direito a saidinha de uma semana em junho em SP sem tornozeleira eletrônica. Penas baixas, progressão de pena, saidinhas, baixa fiscalização, dificuldades para denunciar. Um sistema incapaz de punir e tirar do convívio social criminosos violentos acaba punindo, com dupla crueldade, suas vítimas.
Com uma lei compreensiva, educação sexual, um sistema preparado para acolher os casos e punições efetivas a criminosos sexuais, podemos reduzir os casos de abortos tardios, objetivo com o qual liberais, progressistas e conservadores deveriam concordar.