6:22Mídia do cassete

por Carlos Castelo

Assisti a nova produção de Wim Wenders, “Dias Perfeitos”. O personagem principal é Hirayama, que leva uma vida simples, limpando banheiros públicos em Tóquio. O filme é uma reflexão a respeito do cotidiano, encontrando beleza nas coisas mais ordinárias da vida. Wenders apresenta ainda uma abordagem reflexiva e contemplativa, como em outras de suas realizações. Em alguns momentos, a história me lembrou o conto “Cine Privê”, de Antonio Carlos Viana, mas aí já seria assunto para outra crônica.

Uma das singularidades de Hirayama é gostar de ouvir músicas em fitas cassete. E foi isto o que, de fato, mais me interessou na narrativa.

Minha vida teve início na era do long-play. Durante muitos anos foi a mídia que mais consumi. O primeiro disco que ouvi inteiro foi Abbey Road, dos Beatles. Depois entrei por Led Zeppelin, The Who, Dylan e os progressivos. Mais tarde, veio o jazz.

Isso até ganhar de aniversário um gravador cassete. Com o aparelho, descobri que podia criar playlists. Deu-se a revolução. A produção inicial foi uma seleta de canções de Frank Zappa – tenho essa Sony comigo até hoje. Como Hirayama faz no longa de Wim Wenders, costumo exibir a raridade aos mais jovens do que eu. Curiosamente, são pouquíssimos os que percebem a importância do antigo artefato.

Quem vê essa mídia hoje, do alto da tecnologia digital, deve julgar que era algo simplório. Mas as fitas cassete tinham diferentes tipos de formulações magnéticas que influenciavam a qualidade do som gravado nelas. Um exemplo era a fita de metal. Produzida com partículas de óxido de ferro, melhorava a fidelidade do som. Era bem mais cara do que as de óxido de ferro puro. Os profissionais de gravação só usavam as metálicas. Eu, como era metido a audiófilo, economizava a mesada para poder comprar as da marca TDK.

Um outro aspecto das fitas na minha juventude foi a épica gravação do cassete “Sutil como um cassetete”, do grupo de humor Língua de Trapo. Em 1979, bem antes do lançamento do seu primeiro LP, o conjunto entrou num modesto estúdio e captou as músicas que performava em shows no circuito universitário. Usando o gravador Akai 4000 DS do meu pai, artesanalmente, eu passava a matriz do rolo para as fitinhas. Depois, elas eram acondicionadas em caixas plásticas transparentes e adornadas com uma língua colorida feita de retalhos. Foi assim, de mão em mão, comercializadas pelos corredores das faculdades, que a banda virou cult.

Por fim, o cassete teve até mesmo papel amoroso em minha vida. Certa vez me interessei (não propriamente no sentido bíblico) por uma amiga, infelizmente comprometida naquele momento. Revelei-lhe minhas intenções, apesar dos pesares. A escolhida não disse palavra. Preferiu responder enviando, pelo Correio, um cassete recheado com dúzias de músicas francesas românticas. Para bom ouvinte, meia fita basta.

(Publicado no Estadão)

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