O peixe-diabo tinha um do chifre quebrado. Bicudo, parecia empalhado. Presenteado num bar em ilha paupérrima. Ali todo mundo tinha apelido. O peixe-diabo deve ter recebido o dele do jovem que, aos 23 anos, pescador, já tinha arrancado todos os dentes e colocado uma dentadura. Pagou com o dinheiro das barbatanas que pescava e vendia para exportação. Fazia isso para não ter o problema de sentir a grande dor no meio da noite escura – e sem poder navegar em busca de um boticão. O peixe-diabo está comigo até hoje, mesmo depois de muitas mudanças seguidas e tormentas. Só agora uma das crianças me falou dele. A mais nova. Disse que toda vez que o via na estante da casa não dormia direito à noite – apavorada. Ela ri, mais de três décadas depois. Eu me assusto por ter assustado. Procuro por ele na bagunça do escritório. Não acho. Queria saber por que me atraiu tanto desde que o recebi na palma de uma mão; no outro, um copo de cachaça. Vai ver que foi por isso. Prenúncio de infernos que só agora saem da lembrança – com outra lembrança.