por Renato Terra, na FSP
A Era da Treta transforma o desentendimento em espetáculo
Ouça-me bem, amor/ Preste atenção/ O mundo é um algoritmo/ Vai triturar qualquer tipo de raciocínio/ Vai reduzir as discussões a pó.
Vivemos uma revolução nas comunicações. Todo o sistema de produção e consumo de conteúdo foi rearranjado. Qualquer um pode pegar um celular agora e se emocionar com o vídeo de Cartola cantando “O Mundo É um Moinho” para seu pai. Ou saber detalhes ínfimos sobre a ascensão da Prússia ao longo dos séculos.
Um manancial infinito de possibilidades foi aberto. Mas não há como negar que a força mobilizadora que sensibiliza os corações e comove multidões é a treta. O movimento começou em caixas de comentários e se espalhou como um rastilho de pólvora pelas redes sociais. Quando os robôs foram acionados, criaram um algoritmo para impulsionar a treta. Era só digitar “Futuros Amantes” no campo de busca para o YouTube recomendar o vídeo de algum jovem ressentido acusando Chico Buarque de mamar nas tetas da Lei Rouanet.
O Twitter se transformou numa máquina de moer contextos e discussões. Tudo que é postado ali parece um pedaço de carne jogado para uma horda de hienas. Qualquer raciocínio vira ataque e, posteriormente, os ataques viram briga. Às vezes as brigas se acirram e se transformam em linchamentos virtuais.
A Era da Treta se instalou na religião, impulsionando pastores com discursos de ódio que tiram versículos de contexto para justificar qualquer tipo de comportamento.
Mas a treta encontrou terreno fértil na política, especialmente na extrema direita. É verdade que os cancelamentos e outras ações barulhentas da esquerda também vigoram na Era da Treta.
A espetacularização da treta criou um círculo vicioso. Muitas vezes o assunto que fura as bolhas da sociedade vem embalado pela treta. São as pessoas de esquerda que veem a Jovem Pan quando o pau quebra e as pessoas de direita que reduzem uma infinidade de questões complexas à linguagem neutra.
É preciso dar um passo além, criar mecanismos para não deixar a Era da Treta destroçar discussões fundamentais. Assim como não se pode reduzir a inclusão social e racial a polêmicas como a linguagem neutra ou a termos reducionistas como “identitarismo” ou “woke”, não se pode achar que a discussão mais importante sobre a guerra entre Israel e Hamas se dá em torno da frase infeliz de Lula.
Não existe democracia sem desentendimento, diálogo e ruído. Como recalibrar as discussões para, em vez de brigas, alimentarem ideias originais?