por Mário Montanha Teixeira Filho
Carolina, te amo.
A frase seca me prendeu a atenção, desenhada no tronco de uma árvore. Poucos passos adiante, topei outra vez com a declaração apaixonada, agora na base de cimento de uma lixeira. Minha pequena trilha ainda estava longe de terminar, e o amor por Carolina se expunha aos meus olhos, insistente. Amor em tudo, em qualquer superfície possível (mesmo no chão de asfalto que meus pés pisavam sem pressa).
Fiquei a pensar no tamanho do sentimento que invocava tanto desejo, tanta ansiedade. Imediatamente, me vieram à lembrança mensagens parecidas, comuns nos anos da minha juventude, que se espalhavam pelo centro da cidade fria. Eram grafites, poesia a borrar pedaços de propriedades privadas e subverter a caretice da ordem. E me lembrei de um vídeo antigo, emprestado das redes sociais, em que o poeta Paulo Leminski palestrava para uma turma de alunos da Universidade Federal do Paraná. Acho que foi na metade dos anos 1980, quando a Nova República, um arranjo político feito de conciliação e deixa-pra-lá, marcava o encerramento da ditadura militar e dava à luz o governo de José Sarney, um dos mais famosos colaboradores dos milicos e seus projetos de poder.
No começo da conversa, Leminski dizia sobre um grafite que ele gravou em muitos muros paulistanos daquela época: Celacanto provoca maremoto. Um amontoado de palavras aparentemente sem sentido, mas que simbolizava, segundo o bardo polaco, a angústia de uma juventude sufocada pelo autoritarismo dos anos de chumbo, a continuidade da poesia marginal setentista. O grafite (não só aquele) seria um fenômeno cultural da maior importância, manifesto contra o autoritarismo e a repressão, força vinda do fundo das pessoas. “O grafite está para o texto assim como o grito está para a voz”, sintetizava. E eu aplaudia em silêncio.
Em seguida, vinha uma digressão sobre o concreto da paisagem urbana – espaço vazio destinado à palavra, muros e paredes prontos para serem violados –, sobre a criatividade e o crime, sobre a cidade encarada como prisão imposta a milhões de seres condenados a servi-la eternamente.
No final, o palestrante fez um relato que talvez explique o sentimento pela Carolina posto no desabafo que eu veria/ouviria décadas depois. Convidado por uma revista a eleger a melhor obra poética de 1982, Leminski apontou um grafite de autoria desconhecida: PQNA VOLTE. Esse poema poderia ser lido pelo menos trinta vezes por quem percorresse de carro o trajeto que vai de um ponto determinado do centro de Curitiba até a rodoviária. E outro tanto na volta. Obra genial de um grafiteiro apaixonado, verso demolidor tatuado na pele da cidade, estava ali, à disposição da humanidade, uma revelação intensa, absoluta e incontestável.
Talvez, pensei enquanto completava meu percurso humilde, o criador da súplica a Carolina tenha encontrado inspiração naquela história de amor tão distante no tempo, da pequena engolida pelo movimento desordenado de uma rodoviária. Ou talvez ele quisesse apenas dar sequência a uma arte de rua sufocada pela modernidade dos diálogos instantâneos. Não sei. Sei que eu caminhava imerso nessas reflexões até que, quase no fim da jornada, quando era hora de voltar, a última declaração se transformou em letras surpreendentes: Catarina, te amo.
Levei um baque, um soco a me deixar confuso. O que significava a mudança brusca, a substituição de uma amada por outra? Teria sido ato falho do poeta, um sonho, um desejo adormecido? Pensei, por instante, que a frase final poderia ter sido contrabandeada por um zombeteiro qualquer, apenas para confundir. Ou que viria da mesmíssima pessoa que havia confessado o amor por Carolina, arrependida depois do impulso inicial. Teria sido eu a testemunha de uma desilusão amorosa e implacável? Ou estaria diante de uma provocação ao Leminski morto, algo que ele jamais poderia contestar?
As respostas que encontrei, óbvias, eliminaram todas essas hipóteses delirantes. A tinta jogada sobre a superfície de árvores, paredes improvisadas e cimento tinha uma consistência uniforme desde o começo até o fim do percurso. E o estilo da grafia confirmava: o amante desesperado (ou provocador) era um só. Não me restava mais nada, portanto, além de abandonar a desconfiança e refazer meus passos, desta vez em sentido contrário. A troca inesperada, afinal, compôs a lógica da confidência indiscreta, deu-lhe o sentido trágico imaginado pelo poeta. Nada a indagar, nenhuma explicação a ser dada. Pronto.
Ainda assim, voltei discretamente ao local do crime tempo depois. Pensava em olhar tudo de novo, retomar as impressões que a frase misteriosa me deixou. Mas não existia mais nada ali, nada a sujar a estrada, nada a perturbar a paz. Apagados os signos do amor, o mundo pareceu seguir o roteiro de sempre, sob o comando dos seus chefes, suas leis e seus compromissos relevantes.
Gostei da parte sobre o sarney…reveladora…
https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/novos-lances-no-longo-caso-de-amor-politico-entre-lula-e-sarney/mobile
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/11/lula-recebe-apoiado-por-sarney-a-pgr-e-aliados-falam-em-boa-conversa.shtml
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/na-reta-final-sarney-declara-apoio-a-lula/
Obrigado pela leitura, José. Espero que o tempo cure a sua estranha obsessão pelo sapo barbudo. A minha crônica não é sobre ele.
Não é obsessão por ele, é ojeriza por quem defende a hipocrisia.
E Brizola estava certo.
Vira o disco gado!!!!
Bela crônica…👏👏
Leonel, bolsonaristas, o tal “gado” são exatamente iguais a lulistas como vc: quando não entendem, agridem.
O texto acima tem seus méritos, mas tem os elementos que levam sempre ao aplauso, citar Leminski é um “macete” muito conhecido, colocar elementos políticos que tentem evidenciar que o autor é um “democrata”, é outro.
Os incautos caem.
Quanto a parte da hipocrisia, coloca o chapéu.
José,
Lulista foi ótima!
Tua forma agressiva e se julgando o conhecedor das entrelinhas do texto acima é de uma arrogância incrível!!
O ódio é tão grande que capaz de achar coisas nas entrelinhas de que um gibi!
Não é ódio, já escrevi acima sobre isso.
E rotular qualquer um que pensa diferente de você de “gado” é típico de quem?
A hipocrisia é a maior característica de quem se acha “esquerda” e também é o mesmo para a tal “direita”.
Ah, objetivo atingido: dar visibilidade a você.
Obrigado