por Célio Heitor Guimarães
Quando você pensa que, a esta altura da vida, já viu tudo neste mundo marcado pelo absurdo, pelas incongruências, pelas desigualdades e pela injustiça, eis que surge o Supremo Tribunal Federal – a mais elevada corte de Justiça do país, onde deve imperar, além do saber jurídico, a austeridade, o comedimento e, sobretudo, o bom senso – e resolve possibilitar a responsabilização judicial dos veículos de comunicação por declarações de entrevistados.
Segundo a decisão, decorrente de processo dos idos de 1995, se o entrevistado imputar falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística poderá ser responsabilizada civilmente se houver “indícios concretos da falsidade da imputação” e se o veículo “deixar de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.
Ora, essas precauções sempre foram tomadas pelos órgãos de divulgação sérios e responsáveis, sem a necessidade de orientação, fiscalização e/ou controle ou ameaça da Suprema Corte de Justiça.
Daí o desatino da tese concebida pelo tribunal, que afronta a liberdade de expressão e assemelha-se à censura. Creio que seja inédita no mundo. Aqui, nem a maldita ditadura fardada foi capaz de tanto. Daí as críticas generalizadas, tanto do mundo jurídico quanto político e corporativo.
Até então, o STF sempre protegeu a liberdade de imprensa e de opinião, costumeiramente ameaçadas por governantes e agentes públicos, que se julgam imunes a críticas e preferem lidar com um jornalismo subserviente e parcial. Agora, a Corte – como bem observou Luís Francisco Carvalho, colunista da Folha – “pretende estabelecer um regime político de intangibilidade da honra de personalidades e políticos, inclusive corruptos e pilantras”.
Carvalho observa que “a decisão é também idiota: o princípio não tem aplicação viável quando se trata de entrevista ao vivo, a não ser que estabelecesse a obrigação de algum mecanismo preventivo ou simultâneo de censura”.
Diante da repercussão negativa da decisão, o ministro Luís Roberto Barroso, recém chegado à presidência do STF, tentou contornar o estrago com a desculpa inaceitável de que “o julgamento foi sobre um caso excepcional” e que só afeta casos de “negligência grosseira”.
Não é verdade, como se sabe, posto que o portal do tribunal superior prevê a aplicação do princípio em pelo menos 119 casos que aguardam decisão daquela Corte.
O acórdão, como manda a tradicional lentidão do STF, ainda não foi redigido (e o “mico”, ao que se anuncia, caberá ao “nosso” Edson Fachin), mas seja lá como for, o dano já foi causado.
Luís Francisco Carvalho preocupa-se, sobretudo, com os pequenos e médios veículos de comunicação, em localidades menores, que poderão ser vítimas da Justiça regional, “muitas vezes exercida por magistrados corporativistas e autoritários”.
E nem precisa ser em pequenos rincões ou veículos menores, prezado colunista. Em recente decisão, o juiz José Eulálio Figueiredo de Almeida, da 8ª Vara Civil de São Luís (MA) determinou a exclusão de duas reportagens sobre retransmissoras de TV concedidas pelo ministro das Comunicações, Juscelino Filho, publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo, e obrigava o jornal a publicar “uma retratação”.
No recurso apresentado, o Estadão garantiu que as decisões de censurar as reportagens e obrigar a retratação “asfixiam o pleno exercício da liberdade de informação, bem como ceifam o direito da sociedade de participar de relevante debate público”.
Os efeitos das decisões do preclaro doutor Figueiredo de Almeida foram suspensos pelo ministro Cristiano Zanin, o homem de Lula no STF.