por Giovana Madalosso, na FSP
Suamos em silêncio enquanto ativistas protestam em outros países
Escrevo esta coluna com uma gota de suor descendo pela testa. Lá fora o sol escalda. O termômetro em São Paulo decreta com seu toque de mercúrio que este será o setembro mais quente já registrado. Do outro lado do mundo, olhos puxados fitam incrédulos os dígitos: a temperatura no Japão bate o recorde de 40°C. Na Europa, crianças chapinham na água suja dos chafarizes enquanto os Celsius chegam lá em cima.
Elefantes do maior parque nacional do Zimbábue estão migrando em direção ao país vizinho, fugindo de uma seca histórica em busca de água. No outro domingo, enquanto suas patas pisavam o chão craquelado da África, cerca de 15 mil pares de tênis pisavam o asfalto quente em Nova York, em uma manifestação pedindo pelo fim dos combustíveis fósseis.
Esse foi o mesmo pedido dos ativistas que colaram seu corpo a uma pista de pouso em Hamburgo. Também foi o dos que fizeram ações parecidas na Espanha, na Inglaterra, na Itália. O mesmo pedido que Vanessa Nakate e milhares fazem em Uganda, que Greta e milhares fazem na Suécia, que Ridhima Pandey (de apenas 12 anos) e milhares fazem na Índia.
Se o planeta está gritando, por que nós, brasileiros, estamos suando em silêncio? Claro que há uma ou outra manifestação, alguns ativistas fazendo um trabalho corajoso, mas, levando em conta o tamanho da nossa população, dá para afirmar que as aves daqui não gorjeiam como as de lá.
E por que isso? Primeiro me ocorreu que o brasileiro não vai às ruas devido ao seu caráter conciliatório. Mas então me lembrei da última Marcha pela Maconha, que, segundo a organização, reuniu mais de cem mil pessoas na avenida Paulista. Ou da Parada do Orgulho LGBT+, que neste ano também atraiu milhares de pessoas, com cores, brilhos e reivindicações políticas.
Um colega ativista, Daniel Holanda, do Fridays for Future, sugeriu que, elegendo Lula e, consequentemente Marina, muitos brasileiros acham que já fizeram a sua parte e podem relaxar –bom se fosse: esse mesmo presidente cogita extrair petróleo na foz do rio Amazonas, quando é inadmissível que se invista mais em combustíveis fósseis, quando o Brasil poderia estar muito mais focado em faturar com energia solar, como vem fazendo a China.
Daniel também me contou uma coisa triste: quando o assunto é clima, a sua geração (hoje em torno dos 20 anos), vive em estado de negação ou, ciente das perspectivas terríveis que têm pela frente, prefere gastar seus anos de sombra e água relativamente fresca curtindo a juventude e não militando no piche ardente. E os que estão dispostos a isso não sabem muito bem o que fazer.
Minhas colegas feministas alegam que não estão na luta climática porque têm bandeiras mais urgentes a carregar: pelo combate à fome, pelo racismo e pela violência de gênero. É verdade, é muito duro pensar em clima quando o estômago ronca, quando crianças negras desviam de balas perdidas. Mas, infelizmente, não dá mais para separar uma coisa da outra. A crise climática é o palco onde, a partir de agora, todos os outros dramas irão se desenrolar. As secas trarão mais fome. Os eventos naturais extremos mais prejuízos. E a corda, como sempre, vai arrebentar do lado dos mais vulneráveis. Ou seja, falar de clima é falar de tudo que nos envolve: combate à fome, antirracismo, trabalho, cidades e até democracia.
E também é falar de transformação. Essa crise abre uma perspectiva para que as engrenagens do nosso sistema sejam repensadas sob a luz de mudanças que, mais cedo ou mais tarde (quanto mais tarde, pior), teremos que encarar.
Quem vai refazer este mundo em ebulição? E como? É o que os gritos que faltam nas nossas ruas deveriam dizer.
Em 1983, o meu poema A ÁRVORE E EU foi um dos selecionados pela comissão do evento A POESIA SOBE AO PALCO. Foi transformado em esquete e apresentado no palco do Guairão em setembro. Lotado. Nele, eu implorei: “AMADA NATUREZA AGONIZANTE, QUE NÃO SEJA INCLEMENTE A TUA VINGANÇA!”.