por Juca Kfouri, na FSP
A conquista da primeira Copa do Mundo pelo Brasil está tão perto como longe
Meninos, eu vi!
À época, é verdade, mais ouvi que vi, nas vozes inesquecíveis de Edson Leite e Pedro Luiz, pelas ondas da rádio Bandeirantes.
“O meu cronômetro marca, 45 minutos do segundo tempo. Placar no estádio Rasunda, em Solna, Brasil 5, Suécia 2”, o som vinha entrecortado, com eco, e celebrava a goleada da seleção sobre os anfitriões da Copa do Mundo, em Estocolmo.
Para um menino de oito anos, que acompanhava sua primeira Copa, o significado gigantesco da façanha só fazia sentido pela alegria dos mais velhos, que pareciam não acreditar no que ouviam.
Uma geração que havia sofrido com o Maracanazo em 1950 se libertava da frustração, chutava para escanteio a dor e cantava as marchinhas que comemoravam a epopeia.
Exatamente no dia 29 de junho de 1958.
O pai, fumante moderado, daqueles que extraíam de cada tragada do cigarro ovalado Petit Londrinos prazeres inenarráveis, acendia um atrás do outro, para conter o nervosismo.
Quando os suecos fizeram 1 a 0, logo aos quatro minutos, toda a expectativa se transformou em pessimismo, como se os brasileiros não tivessem mesmo a vocação da vitória.
Mas aos nove e aos 32 minutos, como se o segundo gol fosse o repeteco do primeiro, Mané Garrincha passou para Vavá virar o placar. E, entre os dois gols, o menino Pelé havia acertado a trave adversária.
O intervalo chegou feito bênção, para acalmar o ambiente da sala do sobrado no Itaim Bibi, embora sem nenhuma comemoração antecipada. Ainda faltavam 45 minutos, e o trauma da derrota para o Uruguai oito anos antes estava presente, não, é claro, na cabeça do menino de oito anos.
Nem bem o segundo tempo começou, e Pelé chapelou o zagueiro e quase marcou um golaço.
Teimoso, insistente, corajoso, genial, aos 55 minutos, deu outro chapéu noutro zagueiro e, então, fez o golaço do 3 a 1.
Treze minutos depois foi a vez de Zagallo fazer 4 a 1, e daí não havia mais o que temer.
O mundo se curvava ao Brasil.
Nem mesmo o segundo gol sueco assustou porque faltavam apenas dez minutos e a vitória estava garantida.
Pelo sim, pelo não, para não deixar dúvida, exatamente aos 90 minutos, o menino que viraria rei estabeleceu o marcador definitivo: 5 a 2.
“A taça do mundo é nossa/com brasileiro não há quem possa/ê eta esquadrão de ouro/é bom no samba, é bom no couro/o brasileiro lá no estrangeiro/mostrou o futebol como é que é/ganhou a taça do mundo/sambando com a bola no pé/goool!”, imediatamente a marchinha tomou conta do país.
Poderia ter rimado com Mané, poderia ter rimado com Pelé, mas a verdade é que teria, também, que rimar com Didi, escolhido melhor jogador da Copa.
Pense nisso: tinha Mané, tinha Pelé, e o melhor foi Didi.
Daí o menino até hoje achar aquele time o melhor de todos os tempos, até mesmo melhor que o de 1970.
Depois, ainda jovem, mais maduro, quase idoso, cansou-se de ler sobre a façanha e pôde ver o jogo inteiro em filme precioso.
Para que tudo ficasse ainda mais perto da memória que já guardava riqueza inestimável.
Quatro anos depois, aqueles mesmos heróis repetiram a proeza, no Chile, e, incrível, um deles a triplicou em 1970, no México. Adivinhe qual deles.
Hoje, 65 anos depois, parece um sonho.
Não apenas porque perdemos as condições para ganhar Copas do Mundo, pois em 1994 e em 2002 chegamos ao pentacampeonato.
Fundamentalmente porque os olhos, aos 73, são outros.