por Thea Tavares
Resolveu viciar-se na técnica da autodeterminação em gotas dos Alcóolicos Anônimos: só por hoje, decidiu não ler as notícias ruins, aquela enxurrada de pessimismo! Claro que não quer alienar-se completamente, não é isso também, mas a ideia é estabelecer filtros e abrir no seu cotidiano alguns templos e brechas por onde escape parte das negatividades que nos testam e retestam-nos a cada instante; Aquelas que geramos espontaneamente, que emergem das particulares entranhas sombrias, e outras que nos tomam de assalto por contágio.
Ele se auto prescreveu pílulas de desintoxicação.
Esse motim sobre sua metódica e pesada rotina de convenções não terá o poder de alterar seu senso crítico ou a responsabilidade civil de opinar, de se manifestar, de intervir, de participar, de construir, de se indignar e de gritar. Mas inclina-o a perseguir um equilíbrio na dosagem das suas reações impulsivas e pouco reflexivas, que calam e inibem a voz essencial e que alimentam, sim, a desatenção sobre o que de fato importa.
Até atingir essa harmonia e devidos filtros nos comandos mentais e intuitivos, ele ligaria o pisca-alerta para todas as notícias abomináveis do seu dia. Uma decisão que desmagnetiza, inclusive, os comentários de quem acionou o piloto automático desse consumo e se encontra atraído para o centro de um redemoinho de medos, frustrações e apatias.
Só por hoje, quis bronzear-se ao Sol. Olhar os desenhos que as nuvens fazem para brincar com sua imaginação e ser parte desse todo que começa naquele frescor e luz do seu quintal. Depositou os momentos em que estaria avidamente entregue à perplexidade ali, anestesiado de pânicos e conflitos, cujas soluções empacam nas paredes da desesperança, nos obstáculos da falta de confiança e em crenças limitantes sobre a nossa impotência em se ver e caber dentro si.
A luz do Sol banha seu espírito da energia do se importar e do carinho transformador, que está presente no agradecer. Até para saber ser efetivamente solidário, ele precisou parar para refletir, para aprender, para enxergar, respirar e para desenvolver uma sede incessante por autoconhecer-se, aceitar e se acolher. Assim, humilde, sábio e leve, irradia luzes e respostas nos caminhos e nas encruzilhadas com que ele se depara pela frente.
Por isso que, só por hoje, sorriu sem precisar propagandear felicidade; Sorriu pra dentro e, de forma inédita, sorveu aquela delicadeza pura, espontânea, não responsiva à situação alguma, sem corresponder ao apego de alguém, sem calcular o valor desse gesto na prateleira varejista das nossas regras de etiqueta, favores e de oportunidades lucrativas. Sorriu quase que sem querer ou sem o saber. De repente, se viu apenas sorrindo; Despretensiosamente livre para sorrir.
Naquele dia também, percebeu, num segundo momento, uma mãe sorrindo ao ver o filho, de costas para ela, se divertir no balanço da praça. O som das gargalhadas dele contagiavam tanto quanto as interjeições de contentamento que o olhar marejado da mãe intimamente comunicava. Um homem quase sorriu distraído, enquanto mergulhava, cada vez mais profundamente, na leitura de um livro e pode-se jurar que o cão-guia de um idoso praticamente sorriu para o observador em cumprimento. Teria enlouquecido?
Desintoxicar-se transita na fronteira das maluquices humanas. Brutalizados pelo que se espera da gente, cultivamos um afastamento racional das coisas que naturalmente são… Do sucesso de simplesmente existir e da sabedoria de encontrar-se e compreender-se no momento presente. Da mágica do sentir e da força do querer. Agora, já, ontem!
Só por essa fração de pausa no hoje, ele ressignificou toda uma existência, o olhar que deposita e a atenção que concentra nas mais singelas ações do seu propósito e nas consequências dos processos que se desenrolarão a partir dessa calma adquirida. Para todos os hoje que ainda virão, ele se determina a ser ativo, reflexivo, essencial.
E nem é porque tudo isso aconteceu de cair em um domingo de Sol no quintal. Mas porque oficializou para si que será plena, pacientemente possível e humano banhar-se desse estado de tranquilidade e desse foco incontáveis vezes por dia. Um modo e estado desperto de pureza.
Que lindeza de texto Thea! Um grande abraço emocionado!
Que lindeza de agradecimento registrado aqui, Francisco! Gratidão pela generosidade desse gesto.