por Mário Montanha Teixeira Filho
Deltan Martinazzo Dallagnol, o queridinho da Lava Jato, força-tarefa que prometeu varrer a corrupção do País, era deputado federal eleito pelo Paraná, Estado onde exerceu as funções de procurador da República. Era, não é mais. Uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), votada por unanimidade no dia 16 de maio, retirou-lhe o mandato. Como se esperava, a reação do agora ex-parlamentar foi – ou está sendo – uma profusão de xingamentos, bravatas, autoelogios e declarações vitimistas. E os seus eleitores indignados prometem fazer algum barulho nas ruas da Curitiba vingadora, antiga sede da operação que pavimentou o caminho da extrema direita e colocou no poder uma caricatura de mau gosto, um fascista descontrolado e adorador da morte e da tortura.
Teria sido o processo de cassação uma vingança das forças do mal, demonstração de ativismo político de juízes perversos? Não, para desgosto de quem ainda acredita nas boas intenções lavajatistas. Para se candidatar a deputado federal, Dallagnol pediu exoneração do cargo público que ocupava. Cargo cuja manutenção ele dificilmente sustentaria “nos termos da lei”. Sua ficha funcional, de tempos para cá, acumulou impurezas, encontradas numa soma progressiva de procedimentos disciplinares que sugeriam a demissão inevitável. Antes que isso acontecesse, o desligamento voluntário foi a saída encontrada pelo ex-herói para se adequar às exigências da legislação eleitoral.
Consumadas as espertezas jurídicas que tornaram possível a disputa oportunista, o eleitorado paranaense decidiu conceder a Dallagnol a diplomação reivindicada. Só que a candidatura não poderia ter existido – não por razões subjetivas, mas por ilegalidades que foram denunciadas à Justiça Eleitoral em ações e recursos apropriados. O voto do ministro Benedito Gonçalves, do TSE – o relator do processo –, descreve uma quantidade enorme de manobras que tiveram por finalidade única burlar a lei. A explicação: “A fraude à lei […] caracteriza-se pela prática de conduta que, à primeira vista, consiste em regular exercício de direito amparado pelo ordenamento jurídico, mas que, na verdade, configura burla com o objetivo de atingir finalidade proibida pela norma jurídica”.
Foi o que aconteceu e ficou demonstrado pelos elementos “concatenados e contextualizados” reunidos por Gonçalves, uma somatória que “revela […] que o recorrido [Dallagnol] exonerou-se do cargo de procurador da República em 3/11/2021 com intuito de frustrar a incidência da inelegibilidade […] e, assim, disputar as eleições de 2022”. Tem mais: “A manobra impediu que quinze procedimentos administrativos em trâmite no Conselho Nacional do Ministério Público, em seu desfavor, viessem a gerar processos administrativos disciplinares que poderiam ensejar aposentadoria compulsória ou perda do cargo”.
Além do mais, Dallagnol teve prestação de contas rejeitada pelo Tribunal de Contas da União, quando ainda era procurador da República, devido ao pagamento irregular de diárias, passagens e gratificações a membros do Ministério Público. O prejuízo aos cofres públicos, nessa brincadeira, chegou a R$ 2,5 milhões. Mas não foi por isso que ele perdeu o cargo na Câmara dos Deputados. Diz o voto fatídico: “[…] É inequívoco que o recorrido, quando da sua exoneração a pedido, já havia sido condenado às penas de advertência e censura em dois processos administrativos disciplinares findos, e que, ainda, tinha contra si quinze procedimentos diversos em trâmite no Conselho Nacional do Ministério Público para apurar outras infrações funcionais”.
Por aí segue o histórico de travessuras do paladino da lei e da ordem. Não é preciso detalhar todas. Basta ler as 37 páginas da decisão do TSE, um calhamaço argumentativo em que nada surpreende. O que se questiona é como figuras assim ganharam o espaço que ganharam no cenário político nacional. Eis um indicativo de que, mais do que em outros tempos (também difíceis), os hipócritas, os falsos moralistas e os picaretas do direito tomaram conta das instituições. Que sejam banidos, ora pois. Dallagnol é apenas um deles. Vai embora, à espera do seu parceiro Sérgio Fernando Moro, o chefe da turma, que ainda guarda uma cadeira no Senado. Não se sabe até quando.