Da FSP
Morre Djalma Corrêa, importante percussionista brasileiro, aos 80 anos no RJ
Músico mineiro, que era um dos maiores instrumentistas do país, tocou com Gilberto Gil, Maria Bethânia e Caetano Veloso
Morreu na noite desta quinta-feira o músico Djalma Corrêa, um dos mais importantes percussionistas do Brasil, aos 80 anos, no Rio de Janeiro. O artista enfrentava um câncer de pâncreas. A informação foi confirmada pela equipe do músico no Instagram.
Informações sobre o velório serão divulgadas em breve, segundo a publicação na rede social.
Nascido em Ouro Preto, em Minas Gerais, Corrêa tocou com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e outros nomes de peso da MPB. Essa parceria começou ainda em 1964, quando tocou no espetáculo “Nós por Exemplo”, em Salvador.
“Djalma seguiu tocando e gravando com muitos de nós, além de realizar projetos coletivos e individuais de peso. Eu o amo muito. Soube que ele morreu e a saudade mudou de natureza”, escreveu o cantor Caetano Veloso nas redes sociais.
Seu trabalho foi voltado aos ritmos brasileiros, em busca de novidades na bateria, da inclusão de tambores até o penico, misturando também, desde os anos 1960, experimentos com música eletrônica.
Fez trilhas sonoras para filmes e peças, participando inclusive da assinada por Peter Gabriel para o filme “A Última Tentação de Cristo”, de Martin Scorcese, lançado em 1988. “Essa gravações foram, parte delas, feitas no meu estúdio na Barra da Tijuca, e as demais feitas no estúdio da Polygram, no Rio de Janeiro”, disse a este jornal.
Criou o grupo de música afro-brasileira Baiafro em 1970, que reuniria um total de 21 integrantes, incluindo dançarinos. Trabalhou no LP “Salomão – The New Dave Pike Set & Grupo Baiafro in Bahia”, do vibrafonista Dave Pike, além de trabalhar em shows com ele e outros nomes renomados do jazz, como o guitarrista alemão Volker Kriegel.
Em 1975, Djalma Corrêa voltou a colaborar com os tropicalistas no disco “Ogum/Xangô”, de Jorge Ben e Gilberto Gil, e nos LPs “Joia” e “Qualquer Coisa”, de Caetano Veloso. Em 1976, sairia do Baiafro e se mudou para o Rio de Janeiro, onde colaborou no espetáculo “Doces Bárbaros”. Sua expertise seria, então, presença constante em shows dos artistas ao redor do mundo.
Corrêa tinha completado 80 anos em 18 de novembro, num ano em que também outros grandes nomes da música completaram oito décadas de vida. Enquanto se recuperava de uma cirurgia, o percussionista deu entrevista a este jornal comentando as exposições comemorativas feitas com seu acervo.
Na viagem que fez à Nigéria para participar do Festival de Arte e Cultura Negra, o Festac, em janeiro de 1977, Corrêa conheceu um músico mestre de balafon, uma espécie de xilofone bem grande, e ficou intrigado.
Ele contou a novidade a Gilberto Gil, e os dois foram à casa do mestre. Acostumado a fazer registros audiovisuais de sonoridades de matriz africana e culturas populares, Djalma Corrêa gravou o instrumentista tocando.
Ao fim da apresentação particular, Gil e Corrêa compraram o instrumento na mão do músico. Na volta para casa, Gil compôs a canção “Balafon”, do disco “Refavela”, que teve a participação de Corrêa.
“O Festac foi esse encontro muito feliz com grandes mestres da música africana, e foi onde eu pude gravar algumas bases bem significativas, que foram depois usadas por Gil”, lembrou Djalma Corrêa, que então se recuperava de uma cirurgia.
Integrante da talentosa turma de 1942, na comemoração dos 80 anos do músico, foram programados relançamentos de seus discos e o lançamento de um inédito, que mistura música espontânea com a eletrônica.
Desde o início de novembro, a exposição “Djalma Corrêa – 80 Anos de Música e Pesquisa” está em cartaz no Museu do Pontal, no Rio de Janeiro. A exposição ficará aberta até janeiro do ano que vem, com entrada gratuita.
Em décadas de incursões pelo Brasil, Corrêa reuniu um amplo acervo com o registro de comunidades de terreiro, festivais de folclore e diversas manifestações da cultura popular. Até agora, já foram catalogados mais de cem horas de áudios gravados em 196 fitas de rolo, além de 6.000 slides, 4.000 negativos e 70 filmes super-8.
Uma parte digitalizada desse material será disponibilizado no site Acervo Djalma Corrêa. Outra parte já está em exposição no Museu do Pontal. “Ele foi um acumulador compulsivo, mas com critérios”, diz José Caetano Corrêa, gestor do acervo e filho do artista.
“Percorremos esse país na estrada, eu e ele dirigindo. Foi duro, mas foi bacana”, lembra Roberto Sant’Ana, produtor do disco “Refavela”. Financiado pela gravadora Polygram, no início dos anos 1970, o projeto “Documentação do Folclore Brasileiro” pôs Corrêa e Sant’Ana na estrada.
“Quem pensou no projeto foi Capinam, mas ele não queria viajar. Ele passou para Gil, que me chamou e perguntou se eu topava. Depois que eu topei, pensei em Djalma, que ficou louco e já abriu duas garrafas de vinho”, lembra Sant’Ana.
“Há muita veracidade nessa documentação, não tem nada pré-ensaiado. Era uma coisa muito espontânea”, disse Corrêa. “Os registros mais proveitosos foram no Nordeste. Registramos muita coisa que já se acabou, que quem conduzia morreu e não tem substituto”, diz Sant’Ana.
No Acre, a dupla passou por perrengues com a falta de sinalização na estrada e acabou chegando por engano ao Peru. Quando estavam na tribo dos Canelas, no Maranhão, o calor e as dificuldades fizeram Sant’Ana retornar. “Eu peguei um barco de volta, cinco horas de mar, com a embarcação balançando e eu rezando”, conta.
“De certa forma, mesmo sem querer, eu segui inconscientemente as pegadas de Mário de Andrade”, comparou Corrêa, em entrevista, que continuou com as documentações mesmo com o fim do projeto da Polygram.
Suas garimpagens sonoras começaram muito antes, no início dos anos 1960, quando saiu de Ouro Preto, em Minas Gerais, para fazer um curso de férias em Salvador com o chileno Vicente Assuar, precursor da música eletroacústica na América do Sul.
“Vim passar 20 dias na Bahia e passei 20 anos”, brincou Corrêa. Em Salvador, conheceu ao mesmo tempo o candomblé e a vanguarda artística da Escola de Música da Universidade da Bahia. Com um gravador emprestado pelo maestro Hans-Joachim Koellreutter, foi a um terreiro e fez seu primeiro registro.
Logo, já estava enturmado com Caetano, Gil, Bethânia, Gal Costa e Tom Zé, seu colega na Escola de Música. Em 1964, juntos num palco pela primeira vez na carreira, apresentaram o show “Nós, por Exemplo”, no teatro Vila Velha.
“Saímos na porrada antes do show e tudo”, lembra Sant’Ana, diretor daquele espetáculo. O motivo da briga foi o gravador que Corrêa levou ao palco para registrar a sua “Bossa 2000 D.C.”, que misturava música eletrônica com solo de bateria.
Sant’Ana temia que o gravador atrapalhasse a iluminação e o cenário, mas Corrêa gravou os três dias de espetáculo. O percussionista almejava há tempos fazer um documentário filmando a reação de seus colegas de palco ouvindo a gravação que permanece inédita depois de quase 60 anos.
“Para mim, Djalma Corrêa é uma das pessoas mais importantes na música porque ele é um grande precursor da percussão. Ele é o próprio acervo da música negra e do folclore brasileiro”, definiu Sant’Ana, poucas semanas antes da morte do músico.
A última aparição pública de Djalma Corrêa foi em outubro, no Sesc Pompeia, no show comemorativo dos 35 anos do lançamento do disco do grupo Quarteto Negro, formado por ele, Paulo Moura, Jorge Degas e Zezé Motta.