19:16O “Monstro do Maracanã” e o “Pantera Negra” – VII parte

por Paulo Roberto Ferreira Motta

Um parêntese curioso: no blog do Juca Kfouri (UOL), no dia 26/02/2022, o jornalista Roberto Vieira escreveu: “Na passagem de volta do avião do Benfica pelo Rio de Janeiro, as câmeras documentam o amor carioca de Coluna: a cantora Elza Soares. Os planos do casal incluem casamento e a ida de Elza para os campos de Amália Rodrigues. Tudo ia bem até aparecer outro atacante na vida de Elza, um rapaz de pernas tortas e futebol ainda mais espetacular que Coluna”.

A derrota para o Peñarol não abalou o Benfica. Na temporada de 1961-1962 não teve para ninguém: Campeão português, Taça de Portugal e, mais uma vez, a Copa dos Campeões da Europa. O trio africano Eusébio-Águas-Coluna triturava todos os adversários que vinham pela frente. Na principal competição europeia, os sorteios também ajudaram o Benfica e o Real Madrid, que havia voltado à competição depois da eliminação no ano anterior para o Barcelona. As bolinhas da cumbuca nunca puseram um na frente do outro antes da grande final.

Em 2 de maio de 1962, no Estádio Olímpico de Amsterdã, os dois se viram frente a frente para a grande decisão. Béla Guttmann mandou a campo Costa Pereira, Mário João, Germano e Ângelo; Cavém e Cruz; José Augusto, Eusébio, José Águas, Coluna e Simões. Miguel Muñoz escalou Araquistáin, Casado, Santamaria e Miera; Felo e Pachin; Tejada, Del Sol, Di Stéfano, Puskás e Gento. Segundo os jornais de toda a Europa, o resultado seria imprevisível e diziam que seria um dos maiores jogos de todos os tempos. Tinham razão, o que se viu em campo foi realmente um jogo imprevisível e, seguramente, um dos maiores de todos os tempos (para curiosos tem no YouTube).

Aos 17 minutos do primeiro tempo, o grande Ferenc Puskas coloca o Real na frente. Logo em seguida, aos 23, Puskas faz o dois a zero. O Benfica reage dois minutos depois com um gol de José Águas e empata aos 34 com Cavém. Quatro minutos depois, Puskas faz o “hat-trick” e coloca o Real na frente de novo. No segundo tempo, depois das instruções que recebeu no intervalo de Guttmann, Eusébio começa a desmontar o sistema defensivo do Real Madrid. Corre por todo o campo e aparece em todas as posições do ataque, confundindo a marcação do Real. Aos 51 minutos, com assistência magistral de Eusébio, Mário Coluna empata a partida. Todos esperavam a reação do Real Madrid, mas Puskas e Di Stéfano são muito bem marcados. Coroando a sua grande exibição, Eusébio faz dois gols, aos 65 e 68 minutos. O Real Madrid, atônito, não tem forças para reagir e leva uma goleada de 5×3. Benfica bicampeão da Europa.

Na entrevista coletiva depois do jogo, um repórter dispara a primeira pergunta para Alfredo Di Stéfano. Indaga como o “melhor” jogador da Europa encarava a goleada. Dom Alfredo respondeu calmamente: “Creio que desde que cheguei ao Real Madrid tenho sido, em alguns anos, o melhor jogador da Europa; em outros, quem mereceu o título foi o meu amigo e colega Ferenc Puskas. Mas, a partir de hoje, o melhor jogador da Europa se chama Eusébio da Silva Ferreira”. Quando chegou a vez de Eusébio falar aos repórteres de toda a Europa, lhe contaram o que Di Stéfano havia dito. Eusébio, entre lágrimas, disse que só tinha a lhe agradecer. Seu grande ídolo, desde a infância, era Dom Alfredo Di Stéfano.

A “carrinha” dos bombeiros de Lisboa já estava a postos na pista do Aeroporto de Lisboa quando o voo da TAP aterrissou vindo de Amsterdã. Enquanto desfilavam pelas ruas da capital portuguesa, Salazar esperava, mais uma vez, pacientemente, a delegação do Benfica no Palácio de São Bento. Horas depois, os bicampeões adentraram o Palácio. Salazar se dirigiu imediatamente a Eusébio e daquela vez não mais se referiu a ele como o “negro”. Era o excelentíssimo cidadão português Eusébio da Silva Ferreira, honra e glória de Portugal. Aproveitou o ensejo para ler o decreto que nomeava Eusébio Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique, a mais alta honraria que Portugal concede aos seus cidadãos. E lhe colocou, carinhosamente, no peito a respectiva medalha da citada Ordem.

Depois do Palácio, a delegação do Benfica foi para o Estádio da Luz, que se encontrava completamente lotado. Foram todos ovacionados e os adeptos gritavam por horas a fio o nome de Eusébio. A festa varou a madrugada e pela manhã os benfiquistas ainda tomavam vinho e saudavam Eusébio em todo Portugal e nas colônias ao redor do mundo.

Dia seguinte, exatamente ao meio-dia, a Rádio Renascença foi ao apartamento de Béla Guttmann para uma entrevista exclusiva. Portugal todo parou para ouvir o “mister”. O contrato dele estava encerrando e todos queriam saber se ocorreria a renovação. Guttmann, ao microfone, falou que tinha todo o interesse em renovar o contrato, sentia-se feliz e amado no Benfica e vislumbrava outras grandes conquistas. Disse, ao final, que apenas gostaria de receber o prometido prêmio em dinheiro da Copa dos Campeões da Europa do ano anterior, que o presidente do Benfica não lhe havia pago, e, por evidente, o prêmio da conquista daquele ano.

Minutos após, o presidente do Benfica entra no ar e dispara: “Os judeus só pensam em dinheiro. O senhor Béla Guttmann não terá seu contrato renovado, que procure pelos seus supostos direitos na Justiça ou vá se queixar ao bispo da Sé de Braga, e deverá comparecer às 15 horas ao Estádio da Luz para retirar os seus pertences. Os adeptos que não fiquem preocupados, ainda hoje procuro o ‘mister’ Otto Glória, que saiu do Futebol Clube do Porto, para assumir o Benfica”. No microfone da rádio, Guttmann disse: “Ainda dá tempo de almoçar e comparecer ao Estádio às três da tarde. Para provar que não sou um judeu que só pensa em dinheiro, não irei à Justiça e nem à Sé de Braga”. A dívida nunca foi cobrada e tampouco paga.

 

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