6:47Carta para Helena

por Thea Tavares

Henrique não sabia explicar, mas lhe bateu uma necessidade profunda, urgente, gratuita e desatinada de conversar com Helena. O peito dele doía de apreensão. Em seus delírios apaixonados, uma intuição lhe dizia que, assim como a simples lembrança dela era seu centro e seu apoio emocional nos momentos mais desafiadores, ele precisava estar, agora, ao lado dela, sendo todo ouvidos, colo e aconchego.

Minha amiga,

Pare tudo o que está fazendo neste momento e fixe-se em frente a um espelho. Encare com determinação a pessoa refletida diante de você. No início, lhe parecerá estranho, maluco, desnecessário e esquisito. Mas persevere, tenha coragem, não desista. Se dê uma chance de continuar ali, encarando-se. Tudo o que você quer e precisa saber brotará dessa comunicação e desse encontro. Confie e não tenha medo do diálogo.

Vai parecer que você está perdendo um tempo precioso e você talvez só imagine uma forma de sair do turbilhão de problemas, de preocupações, dilemas e aspirações sobre suas costas e esgotar as pendências sobre sua cabeça: ocupar-se delas. Vai lhe parecer que essa é uma ação menor diante de buscar soluções, mergulhando em queda livre e sob o impacto das turbulências do percurso pelas questões a sanar ou sofrer. Não é assim, não, minha querida!

Tudo o que você precisa saber, assimilar e deixar fluir reside magicamente só dentro de você. Por isso, aceitar-se e aceitar a experiência e o aprendizado dos acontecimentos é saudável. Também faz bem relaxar e perceber a grandeza de se enxergar pequena, frágil, vulnerável e amedrontada às vezes para descobrir como agigantar-se quando for preciso afrouxar as rédeas, perder alguns controles e confiar inteiramente nos propósitos e desígnios da vida. Tenha toda paciência e seja generosa consigo mesma. É quando a chama interna vai começar a lhe aquecer e a lhe acariciar.

Minha linda, livre e poderosa Helena, olhe-se e enxergue todo o encanto que você irradia e que tão deliciosamente toca a alma da gente. Dói-me notar o quanto você, por vezes, se esquece de sua natureza divina e supervaloriza os percalços, as críticas e os aprendizados torturantes que a vida lhe impõe repetidamente para serem superados; Até as injustiças… Perdoe-se. Em outros momentos de maior fortalecimento, essas injustiças e cobranças severas a motivariam a lutar com vigor e com muita dignidade. Sua melhor versão de si mesma aflora espontaneamente, você sabe disso. Somente encontro consolo para o sofrimento da empatia quando adquiro a consciência de que não posso trabalhar por você no resgate da memória e na consciência da força que você carrega. Essas são tarefas unicamente suas e vou me orgulhar de vê-la lembrar-se disso e agir em conformidade com o maravilhoso encontro de si mesma.

Para mim, sempre serás bela e perfeita; admirável, plena e livre. Não importa o que aconteça e importa menos ainda a minha avaliação diante da sua ciência acerca de tais adjetivações. E o espelho não refletirá mais dores, agonias, incômodos ou desesperanças, mas, sim, leveza, maravilhas, brilhantismos e generosidades. Antes frio e ríspido, será seu amigo, cúmplice e confidente de todas as horas, até tornar-se desnecessário, como todo reflexo de amor deve ser: unicamente constatação e fato!

Henrique.

Não enviou a carta. No fundo da maluquice feliz da relação deles, sentia que aquele desabafo aliviava a tensão e sabia também, de alguma forma desvairada, que a mensagem seria lida telepaticamente pelo coração de Helena. Confiava na conexão e na energia de que pensar nela, desejar o seu bem, era meio caminho para sabê-la tranquila e resoluta. Corajosa e lutadora. Tal imagem realinhou todos os seus canais e vibrações. Arrancou de seu peito aquela ansiedade e a tensão. Mal sentia o coração bater, em comparação com a convulsão e o desespero anteriores. Concentrava-se na respiração quieta e fluida, que parecia não percorrer o caminho das vias normais, mas era como se atravessasse as barreiras do corpo físico naturalmente, extravasasse pelos poros na extensão de toda a pele. Já estava ele integrado ao ambiente e, ao mesmo tempo, distinguindo os aromas, saboreando o vento, captando os sons e absorvendo as cores ao redor com esse pensamento. A relação deles funcionava assim: no ritmo do equilíbrio e da harmonia. Sorriu um sorriso doce. Brilhou. Iluminou-se!

Helena acordou com uma sensação boa de paz, quietude, de que havia sonhado com os conselhos e com a proteção que Henrique rascunhou na carta. Adivinhou o conteúdo e, em diálogo telepático alucinado também, perguntou a ele: – O que posso fazer por você? Ouviu uma terna resposta na voz dele ressoar em sua cabeça: – Exista!

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