por Voltaire de Souza

Análise dos dados eleitorais não pode levar a que se despreze o caráter do povo

Planos. Estratégias. Avaliações.
É tempo de pensar no segundo turno.
O general Perácio estudava os números com atenção.
—Confirmado. A fraude foi completa.
O assessor Guarany não conseguia entender.
—Mas, general… nossa votação foi acima do esperado.
A mão de granito fez estrondo sobre a mesa de jacarandá.
—Esperado? Esperado por quem?
—Ué. As pesquisas…
Perácio fez cara de poucos amigos.
—Não me fale em pesquisa. Você acredita em pesquisa?
—Bom, general… de todo modo, elas estavam erradas e a gente foi bem.
O olhar de Perácio parecia um pelotão de fuzilamento.
—Não foi bem. Não foi bem. Não, não, não.
Guarany baixou a cabeça. Assumindo uma postura de humildade e disciplina.
—Raciocine comigo, Guarany.
A manhã fazia cintilar as vidraças da Esplanada dos Ministérios.
—Quem é que vota em ladrão neste país?
—Eu é que não, general.
—Só ladrão vota em ladrão, certo?
—Certo.
—E quantos votos o tribunal diz que o Lula teve?
—Perto de sessenta milhões.
—Então, Guarany. Você acha que esses sessenta milhões são todos ladrões?
—Certamente não, general.
—Acha que temos sessenta milhões de homossexuais?
—Também não, general.
A conclusão de Perácio foi implacável.
—Então o Lula não teve sessenta milhões de votos.
—Bom, general, raciocinando assim…
—Logo, teve fraude nas urnas.
—Puxa, general.
—Vai me dizer que todos esses brasileiros são safados e corruptos?
—Não dá, né, general.
—E aí é falta de patriotismo e de confiança no nosso povo.
—Verdade, general.
O tapa vibrou uma nota de triunfo sobre o tampo da mesa.
—Urna fraudada. Óbvio. E, com isso…
—Com isso…?
—Chegou a nossa vez.
Guarany bateu continência.
O momento é de olhar para a frente.
Mas, para quem não tem capacete, a pedrada pode vir de cima.

*Publicado na Folha de S.Paulo