7:28Lula usa tom agressivo no JN e segue com bolas de ferro da corrupção

por Elio Gaspari

Ex-presidente dá entrevista como se estivesse num palanque

As regras das entrevistas ao Jornal Nacional não permitem que a fala dos candidatos venha pela voz de um dublador, mas ele teria ajudado a Lula. O candidato que disse ser necessário “pacificar este país”, que política “se faz conversando” e que “adversário não é inimigo” temperou suas respostas com um tom agressivo, algumas oitavas acima do que pede um estúdio.

Ecoava mais o líder sindical falando no estádio de Vila Euclides no milênio passado do que o Lula presidente de 2003 a 2010.

Lula resolveu seguir na campanha carregando as bolas de ferro da corrupção instalada no seu governo. Primeiro a do mensalão, depois a sua responsabilidade, ainda que indireta, nas propinas cobradas em obras públicas, sobretudo na Petrobras.

Erros (“equívocos”, nas suas palavras) quem cometeu foi a sucessora, Dilma Rousseff. Logo ela, que tentou limpar a Petrobras e não conseguiu. Ele, repetiu, foi considerado o melhor presidente que o país já teve.

Nos primeiros meses de seu mandato, áulicos atribuíam aos seus poderes a remissão do câncer de um amigo. O perigo mora na possibilidade de ele acreditar nisso, mesmo sabendo que o amigo morreu meses depois.

Lula mostrou-se disposto a reverter o rumo da economia e repetiu uma receita que já deu errado.
A estridência do candidato estragou a resposta em que tratou do agronegócio. A aliança de Bolsonaro com os agrotrogloditas só trouxe constrangimento para os agroempresários.

Ele diz a verdade quando afirma que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra de hoje é outro. Isso, contudo, não é apanágio dos governos petistas. Já não corresponde aos fatos a afirmação de que o MST só invadia terras improdutivas. Invasores cobravam até resgate para não ocupar fazendas vizinhas.

As bolas de ferro da corrupção continuam presas aos tornozelos de Lula e serão sentidas durante os debatesSergio Moro foi um juiz parcial, o Ministério Público fez barbaridades e os delatores continuam endinheirados. Isso não elimina o fato de que, de dez roubalheiras denunciadas, nove eram reais, bem como a metodologia empregada.

O sítio de Atibaia, bem como as obras que a Odebrecht fez graciosamente por lá, não apareceu, pelo limite de tempo da entrevista. Aparecerá.

Faltou a Lula, como faltou a Bolsonaro em maior escala, a grandeza de Juscelino Kubitschek: “Não tenho compromisso com o erro”.

Heitor Ferreira foi uma das figuras mais poderosas da República

Militar foi secretário de Golbery, Geisel e Figueiredo e construiu arquivo histórico

Foi assistente do general Golbery na criação do Serviço Nacional de Informações e deixou o Exército como capitão. Tornou-se assistente do general Ernesto Geisel na presidência da Petrobras e em 1974 foi para Brasília como seu secretário particular. Em 1979 o presidente João Baptista Figueiredo manteve-o na posição até 1983.

Na política, Heitor meteu-se nos anos 50 ainda como cadete da Academia Militar das Agulhas Negras. Com a História, estava metido já em 1960, quando acompanhou o candidato Jânio Quadros para uma entrevista à rádio Guaíba, em Porto Alegre. Jânio levava uma cola para a conversa, onde escreveu “energia, transportes, agricultura, crédito” e deixou o papel sobre a mesa. O tenentinho de 25 anos guardou-o.

Era o início de um monumental trabalho de preservação da memória nacional. Resultaria num diário que soma mais de 1.500 páginas, num arquivo de cerca de 5.000 documentos e centenas de horas com gravações.

Golbery, que acompanhava a vida dos outros, dizia que não tinha arquivo. Era meia verdade. Ele tinha uma caixa ao lado da mesa, na qual jogava os papéis que passavam por lá. Heitor recolhia as caixas. Geisel também não tinha arquivo, mas Heitor guardava até seus rabiscos.

Em 1973, com o conhecimento e autorização de Geisel e Golbery, Heitor passou a gravar as conversas que tinham no Rio de Janeiro e também os telefonemas do presidente eleito. Era uma preocupação voltada exclusivamente para a preservação da memória, pois passou-se mais de meio século sem que Heitor jamais abrisse as caixas ou consultasse o material.

Na política, Heitor foi um soldado da abertura promovida por Geisel. Com Humberto Barreto, o poderoso assessor de imprensa do presidente, combatia a censura. Com Golbery, incentivava Geisel para que demitisse o general Sylvio Frota, ministro do Exército. Incentivava com tanta insistência que numa manhã o presidente atirou-lhe um telefone.

Coube a Heitor uma ação pitoresca. Em 1977 fez circular uma pergunta na cúpula do Planalto: O que acontecerá se o Ato Institucional nº 5 for revogado? A resposta: Nada. No dia 31 de dezembro de 1978 o AI-5 caducou e nada aconteceu.

O poder de Heitor Ferreira era tamanho que muitos ministros conversavam com ele forçando o tratamento de “você” e viam-se devolvidos à formalidade do “senhor”.

Como Humberto Barreto, Heitor deixou o poder recolhendo-se ao silêncio e a uma vida frugal, sem grande patrimônio. Numa de suas crises de saúde, as despesas foram cobertas por Paulo Maluf, cuja candidatura à Presidência apoiou nos anos 80, causando-lhe a saída do governo. Ele, que esteve no SNI em 1964, era vigiado pelo Serviço em 1983.

A fábrica que produzia figuras como Barreto e Heitor Ferreira não existe mais.

Em tempo: O signatário teve o privilégio da convivência e da amizade de ambos. Com o consentimento de Golbery, Heitor deu-lhe a guarda de parte de seu arquivo.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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