por Guilherme Voight*
Acertos e conluios entre os donos de poder do Paraná, seus homens de confiança, e grandes empresários interessados em obras e licitações públicas assombram o estado há décadas. A prova é a história de Haroldo Leon Peres, alvo da chamada Operação Erva-Mate, em 1971, mas que só se tornou pública, com a liberação de diversos documentos dos arquivos do famigerado Serviço Nacional de Informação (SNI nos anos 2000.
A história do político é contada no livro 1971 – Conspiração, Conflitos e Corrupção: a queda de Haroldo Leon Peres, de autoria do historiador Jair Elias dos Santos Júnior e o jornalista Jean Luiz Sampaio Féder. Além dos arquivos do SNI, os dois usaram jornais da época para tentar separar fatos de folclore político e contar a rápida, mas conturbada, passagem de Haroldo Leon Peres pelo governo do Paraná.
Carioca, Haroldo Leon Peres fez sua carreira política em Maringá, onde a família tinha fazendas. Obteve algum destaque em Brasília como vice-líder do governo na Câmara dos Deputados. Em 1970, em uma tentativa do então presidente Médici de manter independência dos dois principais líderes políticos paranaenses: Paulo Pimentel e Ney Braga, Leon Peres foi indicado como governador do estado.
Seu mandato foi desde o início atribulado. Houve conflitos com o Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas e com a própria Assembleia. Já em seu discurso de posse disparou contra Pimentel, seu antecessor. Principal empresário da comunicação no estado à época, o ex-governador tinha muitos aliados na Assembleia, tanto na Arena quanto no MDB. A escolha do algoz mostrou-se um erro para Leon Peres.
E havia a Estrada de Ferro Apucarana-Ponta Grossa, a Central do Paraná. A construção de 330 quilômetros da ferrovia custaria mais de U$ 400 milhões, boa parte desse valor repassado via governo federal. A obra, vista como um divisor de águas para a infraestrutura do estado, foi primeiro um trunfo nas mãos do Palácio Iguaçu. Depois, tornou-se seu fardo.
Personagens do círculo íntimo de Haroldo Leon Peres passaram a procurar empreiteiras com propostas de acertos envolvendo a construção. Primeiro, Murillo, irmão do governador e chefe do Escritório de Representação Política do Paraná no então estado da Guanabara, que procurou a francesa Serete. Depois, Jerônimo Thomé da Silva, chefe de gabinete do governador, procurou Cecílio do Rego Almeida, da CR Almeida. Os acertos envolviam pagamento de propina. O dinheiro, diziam, seria usado para combater a “campanha contrária da imprensa do estado”. Em troca, os empreiteiros receberiam facilidade em linhas de financiamento e a garantia do pagamento em dia. Nada muito diferente daquilo recentemente revelado pela Operação Lava Jato.
Ambos não aceitaram e procuraram o governo federal. Em uma espécie de precursor das delações premiadas, Cecílio, em especial, passou a colaborar com a investigação. Apresentou um agente do SNI como seu sócio israelense e foi orientado a gravar os encontros com Thomé. Assim foi feito. Haroldo, porém, ao contrário, do que estabeleceu por anos a mitologia política do estado, não foi gravado. Cecílio relata ao SNI uma conversa com o governador no calçadão da praia de Copacabana. Esse diálogo aconteceu, mas não houve gravação. Não era necessário. O destino político do governador estava selado. Coube ao então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, comunicar a Haroldo sua situação. Ele deveria, sem alarde, renunciar.
Nesse ponto ficam evidentes as diferenças entre os dois tempos. No decorrer da Operação Erva-Mate não há nenhuma menção ao Ministério Público ou à Polícia Federal. Todo o processo, do contato com os informantes à preparação da operação é tocado pelo SNI. Não há participação de advogados e sequer do Poder Judiciário. Os informantes não possuem advogados quando procuram os agentes do Serviço e o governador tampouco tem tempo de constituir um. Ao mesmo tempo, a operação Erva-Mate se encerra com a renúncia de Haroldo. Não há nenhum desdobramento judicial contra Cecília, Murillo, Thomé e contra o próprio governador. Ao deixar o cargo, é como se, para os militares, o problema tivesse se equacionado, ficando de lado inclusive os eventuais prejuízos ao erário.
Outra situação bastante distinta diz respeito à atuação da imprensa. Os veículos tiveram papel de destaque na vigilância pelo dinheiro público nos recentes escândalos de corrupção registrados nacionalmente e no cenário local. Por outro lado, conforme revelam Elias e Feder, é notória a dificuldades dos jornais em cobrir os fatos políticos sob um regime de censura conforme narra a obra. Um exemplo é a revista Veja que publicou uma reportagem de capa sobre o assunto. A edição foi apreendida, mas os poucos exemplares que circularam tornaram-se, durantes anos, a referência sobre o assunto.
É com o regime democrático que temos uma Justiça Criminal equânime, com uma atuação rigoroso, mas técnica do Ministério Público e da Polícia Federal, e o direito à ampla defesa e ao contraditório. Mas é importante que esse processo de combate à corrupção avance e não retroceda. Há diversas ações e iniciativas recentes que visam enfraquecer mecanismos de investigação que estavam consolidados no país, entre elas a própria gravação ambiental.
Uma democracia consolidada não se faz sob o signo da corrupção endêmica e da impunidade. Do mesmo modo, uma boa lição de 1971 é que investigações que param na metade por acomodações políticas, caem no esquecimento ou simplesmente prescrevem por situações de momento são típicas dos regimes de exceção, não da democracia.
*Guilherme Voitch é jornalista
*Artigo publicado na Gazeta do Povo