Da FSP
Magistrados dizem que todos os casos foram arquivados; ex-chefe da Lava Jato corre risco de ficar inelegível
Três dos quatro ministros do TCU (Tribunal de Contas da União) que votaram por punição ao ex-procurador Deltan Dallagnol e do ex-procurador geral Rodrigo Janot na última terça (9) foram atingidos pela Lava Jato e seus desdobramentos e delações, embora as investigações tenham resultado em escassas consequências contra eles até agora.
Deltan, Janot e o ex-chefe do Ministério Público Federal no Paraná João Vicente Romão foram condenados nesta semana a devolver R$ 2,8 milhões em diárias e passagens pagas à força-tarefa da operação a partir de 2014, quando uma equipe de procuradores foi fixada em Curitiba para se dedicar com exclusividade aos casos da Lava Jato.
A decisão, que ainda será objeto de recurso, pode provocar a inelegibilidade dos ex-procuradores. Deltan já registrou candidatura a deputado federal pelo Podemos-PR, enquanto Janot, filiado ao mesmo partido, mas no DF, ainda não decidiu se vai concorrer.
O ex-procurador paranaense, que chefiou a força-tarefa de 2014 a 2020, vem afirmando que o TCU faz perseguição política e tem questionado a credibilidade dos ministros para julgá-lo.
Nas redes sociais, Deltan disse que foi condenado por “delatados na Lava Jato”. Especificamente sobre o relator do caso no TCU, ministro Bruno Dantas, o ex-procurador questionou sua ligação com o senador Renan Calheiros (MDB-AL) e o acusou de acelerar a tramitação por causa da eleição.
Os outros três ministros que compõem a câmara que expediu a decisão contrária aos ex-procuradores foram investigados em inquéritos relacionados à Lava Jato. Os três têm trajetórias políticas, inclusive com mandatos no Congresso antes da indicação para a corte de contas.
O elo mais direto com apurações da Lava Jato paranaense, de atribuição de Deltan, era do ministro Aroldo Cedraz, cujo filho, o advogado Tiago, chegou a ser alvo de buscas decretadas pelo então juiz Sergio Moro em 2017.
A apuração tratava de suposto recebimento de propina do advogado no exterior em um negócio da Petrobras com a americana Sargeant Marine.
Cedraz, porém, não chegou a ser denunciado em Curitiba. Ele e o pai foram formalmente acusados, em 2018, de tráfico de influência pela sucessora de Janot no comando da Procuradoria-Geral, Raquel Dodge.
A denúncia partiu da delação do empresário Ricardo Pessoa, dono da empreiteira UTC. Investigadores da Lava Jato chegaram a suspeitar que o ministro havia repassado informações sobre processo de interesse da UTC. No ano seguinte, porém, o STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitou a acusação.
O filho de Cedraz voltou a ser denunciado em 2020, desta vez pela chamada Lava Jato fluminense, que mirava pagamentos feitos por um ex-presidente da federação do comércio do Rio de Janeiro, Orlando Diniz.
A acusação a respeito, com menções também a Aroldo, chegou a ser recebida pelo juiz federal Marcelo Bretas, mas o Supremo anulou as decisões dele, sob a justificativa de que o caso era de atribuição da Justiça estadual, não da federal.
Os procuradores afirmavam que houve desvio de R$ 13,7 milhões de verbas do Sesc-RJ e Senac-RJ para tentar influenciar decisões do TCU. Em abril deste ano, um juiz estadual anulou a colaboração de Diniz.
Outro dos ministros que votaram no caso e que esteve às voltas com inquéritos da Operação Lava Jato foi Antonio Anastasia, ex-governador de Minas pelo PSDB.
Seu nome constou nas chamadas “listas de Janot”, como foram apelidados os pedidos em série de investigações feitos ao Supremo pelo então procurador-geral, no auge da Lava Jato.
Anastasia conseguiu o arquivamento dos três inquéritos públicos no qual tinha sido incluído. O primeiro foi ainda no início da Lava Jato e havia partido de depoimento de um ex-policial que atuava transportando dinheiro para o doleiro Alberto Youssef.
Nesse caso, o próprio Janot acabou considerando que não havia provas e posteriormente solicitou o arquivamento, chancelado pelo STF.
Os outros casos eram desdobramentos da delação da Odebrecht, a maior da Lava Jato, que miravam também seu antigo padrinho político, o hoje deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG).
Relatório da PF de 2021, que indiciou Aécio por suposto caixa dois da empreiteira baiana no pleito de 2014, citava suspeita de financiamento ilegal também à campanha de Anastasia ao Senado. Porém concluiu que não há indícios de “ciência ou participação direta” do hoje ministro do TCU no caso.
Em relação a Augusto Nardes, que também votou pela condenação das ex-autoridades da Lava Jato, também houve inquérito aberto em decorrência de depoimentos de delação.
Em 2018, Nardes foi alvo de um pedido de busca e apreensão da Polícia Federal, autorizada pelo ministro Dias Toffoli, do STF. A polícia apreendeu documentos e celulares na casa do ministro do TCU, depois de ele ter sido citado na delação premiada de Luiz Carlos Velloso, ex-subsecretário de Transportes do Rio.
A reportagem questionou a PGR nesta sexta-feira (12) sobre o desfecho da investigação, mas não houve resposta.
Também houve menções a ele em outros em depoimentos de colaboradores da Lava Jato, que até hoje não se tornaram públicos, como o do ex-deputado federal Pedro Corrêa e o ex-diretor da Petrobras Renato Duque.
Fora da Lava Jato, Nardes foi investigado na Operação Zelotes, sobre suposto esquema de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O caso ficou sob relatoria do ministro Ricardo Lewandowski no STF, que arquivou inquérito em 2019.
No julgamento de terça-feira, o relator do procedimento contra Deltan no TCU, Bruno Dantas, disse que o caso tratava apenas da gestão administrativa de recursos de um órgão público.
“As circunstâncias que cercam tal decisão [de pagamento de diárias a procuradores], contudo, indicam a intenção deliberada de saque aos cofres públicos para benefício privado”, disse ele.
Também afirmou que o modelo de força-tarefa adotado violou o princípio da impessoalidade e que faltou critério na escolha dos procuradores participantes.
Antes, em maio, já sob críticas dos apoiadores da Lava Jato, Dantas escreveu em rede social que “magistrado não discute com acusado”.
Em vídeo naquela postagem, o ministro afirmou que o Tribunal de Contas é um órgão colegiado, onde não existem decisões individuais, e que jamais existirá uma “medida persecutória de iniciativa de uma única pessoa”.
A reportagem procurou o Tribunal de Contas da União para que os ministros comentassem o assunto. Por meio da assessoria, os ministros disseram apenas que todos os processos mencionados foram arquivados, “mostrando a fragilidade das acusações”.
OS MINISTROS DO TCU QUE FORAM INVESTIGADOS:
Augusto Nardes
- Investigado na Operação Zelotes, que apurou esquema de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O ministro Ricardo Lewandowski, do STF, arquivou o inquérito em 2019.
- Em 2018, foi alvo de busca e apreensão da Polícia Federal, depois de ter sido citado na delação de Luiz Carlos Velloso, ex-subsecretário estadual no Rio
Antonio Anastasia
- Foi alvo de três inquéritos no Supremo em desdobramentos da Lava Jato, posteriormente arquivados. Foi citado, por exemplo, pelo ex-presidente da Odebrecht Benedito Júnior em depoimento ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em 2017
- Investigação iniciada a partir de depoimento do policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho foi arquivada em 2015. O policial entregava dinheiro a mando do doleiro Alberto Youssef.
Aroldo Cedraz
- Teve o filho, o advogado Tiago, como alvo de buscas decretadas pelo então juiz Sergio Moro em 2017. A apuração tratava de suposto recebimento de propina do advogado no exterior em um negócio da Petrobras com a americana Sargeant Marine.
- Tiago e o pai foram formalmente acusados, em 2018, de tráfico de influência pela sucessora de Rodrigo Janot no comando da Procuradoria-Geral, Raquel Dodge. O STF rejeitou a denúncia.
- No Rio, denúncia sobre a federação do comércio do estado, com menções também a Aroldo, chegou a ser recebida pelo juiz federal Marcelo Bretas, mas o Supremo anulou as decisões.