por Mário Montanha Teixeira Filho
Um enorme terreno localizado na Zona Sul da cidade de São José dos Campos, no interior de São Paulo, está vazio. Quem passar hoje pelas ruas que cercam aquela área verá imagem do abandono. Milhares de famílias que moravam ali foram expulsas de suas casas pelas polícias do Estado e do Município, que diziam cumprir uma ordem judicial de reintegração de posse. O despejo aconteceu no dia 22 de janeiro de 2012. Transcorridos pouco mais de dez anos, o mato tomou conta do lugar, e lhe devolveu as características do período anterior a 2004, quando um grupo de pessoas sem-teto se instalou na área abandonada. Registrado em nome da massa falida da Selecta Comércio e Indústria S.A, o imóvel restituído ao especulador Naji Robert Nahas não cumpre nenhuma função social. Mesmo assim, o Poder Judiciário lhe deu garantias irrestritas, muito além do que prescrevem as leis e a Constituição Federal. A passagem dos anos diluiu o impacto da violência, mas não foi capaz de eliminá-lo.
Os personagens que articularam a barbárie não estão mais nos cargos públicos em que estavam. A juíza Márcia Faria Mathey Loureiro, que confirmou, sem que ninguém pedisse, uma liminar de reintegração de posse proferida pelo juízo falimentar (18ª Vara Cível de São Paulo), que não tinha competência para isso, se afastou da 6ª Vara Cível logo depois da operação de guerra – foi esse despacho que desencadeou a repressão que destruiu o Pinheirinho. Atualmente, ela é responsável pela Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de São José dos Campos. Luiz Beethoven Fiffoni Ferreira, juiz encarregado de processar a falência da Selecta Comércio e Indústria S.A., progrediu na carreira e assumiu as funções de desembargador. O antigo presidente do Tribunal de Justiça Ivan Ricardo Garisio Sartori, que exerceu papel determinante na desocupação, se aposentou em dezembro de 2018. Nas eleições de 2020, foi candidato a prefeito de Santos, no litoral paulista, pelo Partido Social Democrático (PSD). Com 18,6% dos votos válidos, ficou em segundo lugar, atrás de Rogério Santos, do PSDB, que atingiu a marca de 50,58% e venceu no primeiro turno. O desembargador Candido Pedro Alem Júnior, que subscreveu muitas decisões que beneficiaram a massa falida em segundo grau de jurisdição, se aposentou no dia 12 de setembro de 2012.
Nas redes sociais, é possível saber dos novos hábitos do coronel Manoel Messias Mello. Comandante da operação de despejo, ele se aposentou, tornou-se coach e administra um site que vende palestras de conteúdo motivacional. O seu histórico de comunicador contém um destaque orgulhoso: “Encerrou sua carreira como coronel PM, patente na qual liderou inúmeras ações policiais, dentre elas a bem-sucedida operação de reintegração de posse do Pinheirinho, em São José dos Campos, em 2012, onde comandou dois mil policiais militares em um mesmo evento”.
O Pinheirinho atraiu uma quantidade ampla de interesses, interligados ou não. A especulação imobiliária, aliada ao conservadorismo das elites do Vale do Paraíba, nunca tolerou a organização dos sem-teto. Já a cúpula judiciária paulista estava empenhada em controlar o destino da Selecta e seus desdobramentos econômicos. Ao mesmo tempo, seria exagero afirmar que os dois maiores partidos políticos da época, PT e PSDB, tenham colocado a crise habitacional que originou o assentamento no centro da disputa pelo poder.
Esse era o quadro que cercava o conflito, e o resultado imposto pelo sistema não surpreendeu. O que estava previsto foi realizado, com a afirmação ideológica da propriedade como direito absoluto. Não por acaso, a luta pela preservação da memória dos fatos e da essência comunitária do Pinheirinho foi assumida exclusivamente pelas vítimas dos desmandos institucionais. Elas resistiram durante muitos anos, até conseguirem transferir suas residências para um bairro a que deram o nome de Pinheirinho dos Palmares. Outros atores que participaram desse episódio triste, adeptos de uma política de exclusão social e de concentração da riqueza, optaram pelo silêncio. Não poderia ter isso de outro jeito.