Finalmente entendeu o significado de “tava na peneira, eu tava peneirando”. Na dele não passou quase nada – e pouca gente. Mas era tarde na noite da vida, mesmo se lá fora o sol explodisse nas bancas de jornais. Era uma meia-água de fundos esquecida até por quem morava no caixote construído na frente. Deixaram um poço para ele – e o banheiro do lado de fora. Na janela da sala, que abria para os fundos de um cinema, agora era concreto. Um rádio ficava ligado, mas ele já era surdo. Uma tv americana dos anos 50 transmitia chuviscos em preto e branco. Alguém que ele não conhecia colocava um pouco de comida numa vasilha diante da porta do quarto. Ele ficava deitado a maior parte do tempo. Quanto? Era pele e ouço e desconfiava que tinha morrido e sido esquecido. Mas isso acontecia só de vez em quando. Ao tossir, uma manivela fazia o cérebro funcionar. Então ele pensava e, às vezes, até achava que cantava. Tava na peneira, eu tava peneirando.