6:50Como McPicanha sem picanha, hoje muitas coisas se dizem outras coisas

A carta que o McDonald’s enviou ao Senado admitindo que a carne do McPicanha não 
é picanha surpreendeu-me imenso: aquilo é carne? Não estava à espera.

Que o McPicanha não tinha picanha e o Whopper costela não tinha costela, eu já desconfiava.

Tanto o McDonald’s como o Burger King dizem que os produtos têm, respectivamente, o aroma da picanha e da costela, embora não contenham picanha nem costela. É normal.

Hoje, quase todas as coisas se dizem outras coisas, o que acaba por ser uma absoluta falta de respeito pela dignidade das coisas.

Neste momento, por exemplo, é quase impossível comprar um pacote de batatas fritas que se digam batatas fritas.

Há batatas com sabor queijo, presunto, cebola, alho, ervas aromáticas e churrasco. É preciso procurar bastante para encontrar essa raridade que são batatas com sabor batata.

Entre estes sabores haverá uns mais bizarros do que outros, mas nenhum é mais estranho do que o sabor churrasco. Não nos é dito de que tipo de churrasco são as batatas. Se é churrasco de peixe, churrasco de carne de vaca, churrasco de carne de porco ou churrasco de frango. Diz apenas: churrasco. O que é uma maneira sofisticada de dizer que as batatas são, na verdade, de fumo.

Não vale a pena chorar pelas batatas porque não são as vítimas isoladas da praga. Há café com sabor anis, baunilha ou canela, e água com sabor limão, morango, pêssego, framboesas ou ginseng.

O caso da água é particularmente escandaloso, na medida em que, como diz no dicionário, se trata de um líquido incolor, inodoro e insípido.

Se tiver cor, cheiro ou sabor, deixa de ser água. Aquilo que nos vendem é, portanto, uma fraude engarrafada. “Água com sabor” é uma contradição intrínseca aos termos em que é expressa.

Não é modernidade; é bobagem. Até porque a água com sabor já foi inventada há alguns anos, no Oriente. Parece que se chama “chá”.

Se eu comprasse um destes McPicanha sem picanha, ou um Whopper costela sem costela, pagaria com papel previamente esfregado numa nota de R$ 50. Não é dinheiro, mas tem o aroma. Queria ver que argumentos eles teriam para recusar.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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