por Dodô Azevedo, na FSP
Escritor completa 80 anos como um dos mais celebrados pensadores do Brasil
O que muitos brasileiros chamam de azeite, milhões de outros chamam de azeite doce.
É que para os brasileiros não-sudestinos, ou para os sudestinos que professam a cultura afro-brasileira, azeite é o nome que se dá para o azeite de dendê.
A lógica é parecida com as milhões de pessoas que chamam pessoas de pele escura de pessoas pretas e que chamam as pessoas brancas simplesmente de pessoas.
A colonização tornou anormal tudo o que não é ela ou veio dela.
Acontece, que a colonização, a cada ano que passa, prova-se ser um dos momentos mais lamentáveis de nossa história.
Sob o nome dela, genocídios piores que os contemporâneos foram praticados em regime de legalidade.
Sob seu nome, uma ciência de valor incalculável foi aniquilada.
Prevaleceu o saber europeu, que tratava doenças com falta de banho e temperava carne com sal e sangue coagulado, sobre africanos e indígenas, que já dominavam uma infinidade de bactericidas naturais e preparavam seus guisados com cominho, salsa e alecrim.
Nei Lopes, cientista negro, fez 80 anos ontem. Neste século certamente decolonial, onde as academias começam a revisar terraplanismos eurocêntricos e voltar-se ao saber ancestral, mais sofisticado e, por isso, pouco pouco estudado, o sábio foi festejado.A bibliografia de Nei Lopes, doutor Honoris Causa da UERJ e da Ufrj é, como tudo o que é africano , e como tudo deveria ser, horizontal e popular. Para todos lerem com facilidade. Desmistificante como tudo deveria ser. Religiões do continente africano são geralmente animistas? Ele ensina que não? Feitichistas? Muito menos, crava ele.Seus extensos dicionários (da História da Africa, do Banto, da antiguidade africana, escolar afro-brasileiro, do Samba) trazem resgates de conceitos e palavras que por esquecidas nos deixaram à deriva como povo.
Cada vez que abrimos os jornais, livros, sites, e não encontramos palavras como eweká, kiniaruanda, cafuxe, lúmbu, quiçama, sabredim, fongbé, uagadugu, wolosso ou diarrissô, ficamos mais ignorantes. Logo, com mais medo do mundo. Logo, mais reativos a ele. Diz ele, em sua obra sobre o oráculo Ifá, que para os iorubás, o Universo é vivenciado e compreendido como um processo dinâmico em que forças se atraem e se repelem, se equilibram e desequilibram.
Segundo esta cosmovisão, o equilíbrio não configura uma harmonia estática, mas uma situação de constante movimento, de união e oposição. Se isso não é o que você precisa para entender a política brasileiras, qualquer resultado que vier das eleições que vêm aí, saber o que afinal está por trás de pandemias como a Covid-19, de guerras como a da Ucrânia, de cistos que aparecem em seu corpo, tempestades tropicais e amores de verão, não sei mais o que fará.
Em suas canções, cujas letras estão sendo preparadas para serem editadas em livro, Nei Lopes trabalha com metáforas para falar com o povo – seu interesse primeiro. Goiabada cascão é coisa fina que ninguém mais acha. Vida de casa de vila, sem chateação, já não tem na praça, mas como era bom – dizia em famoso samba.
Escrevo do sossego de uma casa de vila, e como é bom escrever sobre os 80 anos de Nei Lopes. As coisas existem, resistem, irmão café. É como você canta: mesmo usados, moídos, pilhados, vendidos, trocados, estamos de pé.
De pé, e prontos para, sob sua inspiração, resolvermos a questão dos azeites que nesse país teimam em não se misturar.