Aquela senhora sentada numa cadeira de plástico banco e toda encolhida, talvez por causa do frio da noite, esticou a mão cheia de anéis. O fã beijou e agradeceu por tudo que ela fez e significava. Ela olhou o olhos dele – e parecia triste. O lugar era feio, paredes carcomidas, uma cortina lilás escondia aquilo que deveria ser um camarim. Dez minutos depois, a mulher que entrou no palco era outra, mas a mesma, com uma roupa transparente, parecia ter rejuvenescido muitos anos e toda sua energia de vida inebriava através da voz – e daquela presença mágica. O fã pensou: ela tem 15 metros de altura. Cantava numa casa dedicada ao forró, num sábado curitibano, mas sempre fez o mesmo em qualquer espaço nobre ou não. Porque Elza Soares já tinha dito, no programa de calouros de Ary Barroso, miudinha, magrinha, roupa simples de domingo, que tinha vindo do planeta fome, depois que o famoso compositor, narrador, cantor e apresentador lhe fez a pergunta. Brasileira que amou um deus da bola, o Mané das pernas tortas, e enfrentou todo um país – porque ele se separou da mulher e das filhas para ficar com a musa. A Copa do Mundo de 1962, que ele ganhou “sozinho”, jogando como nunca se viu (gol de falta, de pé esquerdo, entrada pelo meio do ataque), essa foi certamente foi dedicada a ela naquele começo de romance que durou enquanto ela suportou carregar alguém que se perdeu no alcoolismo. Lá no Calamengau, onde aquele fã presenciou a transformação, que não era isso, apenas revelava o tamanho daquela que foi considerada a melhor cantora do mundo há alguns anos, ela cantou, a capela, a música onde certamente sempre colocou toda a dor que carregou na alma. Aquele “O meu guri”, de Chico Buarque, ali era algo que trazia junto, para quem conhece nosso Brasil real, “Tiros de Misericórdia”, de Aldir Blanc, e todo um “planeta” de crianças massacradas, pais zumbis, a ninguenzada que, não se sabe como, ainda tem forças para rir, fazer piada e amar, como amou Garrincha, alegria do povo, o amor de Elza. O meu guri… o dela, foi embora cedo, dentro de um carro no fundo de um rio. Ela nunca parou. Não vai parar, porque eterna. Assim sabe o fã atrás do pequeno palco do Calamengau, porque ele sou eu.
Texto magnífico. Emocionante. Viva Elza!
Um belo relato, mestre ZB. O Brasil sentirá muita falta de Elza, como sente ainda a ausência do Mané.
Maravilhoso! Em sua narrativa me encontrei no Calamengau. Vai Elza, vai cantar e encantar em outra dimensão!
Show eterno, Elza vive nos corações que clamam por jus-ti-ça!
Que maravilha, Zé. Ela inventava encantos. Com que forças? Sabe Deus.
Eu também estava lá no Calamengau, do bom Ceará, nascido Maérlio F. Barbosa. Num sábado de 2003. Ela deu a ordem: “Dancem e cantem comigo do cóccix até o pescoo” e os súditos todos lhe obedeceram. Escrevi no meu falecido jornal Farol dos Bairros – CHOROU AS INJUSTIÇAS SOFRIDAS NA PELE (LITERALMENTE). E RIU. RIU COMO QUEM RI QUANDO SE DÁ A VOLTA POR CIMA.
PARABENS!!!! Eu estava no Calamengau!!!