por Thea Tavares
O presente estava a caminho, bem no seu caminho.
Podia sentir a aproximação no calor de uma chama, no brilho das luzes, no aroma do ambiente ou naquele alheio frescor, trazido pelo vento, para que se lembrasse do movimento das ruas e das animações compartimentadas em outros recintos fechados. Todos os seus sentidos lhe falavam dessa movimentação. Mesmo o pássaro, pousado no fio elétrico e atento, lhe dizia muito dela. Também era percebida nos sinais insistentes e aderentes a qualquer coisa sobre a qual ele repousasse sua dedicação. Ainda que por distração. “Confia! Confia! Confia!”, era a mensagem contido no mantra que o embalava naquela espera.
Passou a confiar em si, com a força de uma carga espiritual que jamais havia experimentado antes. Até então, apenas seguia o curso e a correnteza. Agora, sabia distinguir a voz da intuição e diferenciar cada um dos movimentos que aceleravam ou alternavam o ritmo do seu coração. Havia uma mensagem guardada e singular a cada uma das manifestações dessa natureza.
O presente praticamente desfilava na frente dele, à distância de um desejo e na medida exata de um fortuito e displicente bem querer. Ao alcance da imagem projetada no espelho velho, lascado, do qual não se desfazia, pois parecia, por instinto, querer conservar todas as memórias que foram apagadas da sua cabeça ao nascer e ao acordar. De tempos em tempos, deparava-se com pequenos entendimentos. Aquelas compreensões eram como grãozinhos que germinavam e faziam com que ele despertasse lenta e subitamente na mágica de uma manhã, no rompimento silencioso do transe das madrugadas. Em proporção comparável a gotas diante da imensidão oceânica, dispostas assim para que ele aprendesse a desvendar com serenidade e a reconhecer-se, espelhado nas suas profundezas.
Ouro, incenso e mirra… Sendo todos e qualquer um de nós uma centelha divina, Henrique se perguntava: quais seriam as preciosidades atuais na simbologia da boa nova que se anunciava no seu horizonte? O presente se aproximava ao passo e ritmo das suas lentas e surpreendentes compreensões, nem adiantava tentar apressá-lo, pois não era assim que a dinâmica funcionava. Mas por meio de grãozinhos… De novo, Henrique percebia a evolução ou confirmação do desenrolar daquela história. Avançava na medida em que Helena colhia os grãos que ele semeava por meio de palavras atiradas ao vento, de garrafas lançadas ao mar, sinais de fumaça e nas batidas imaginárias num tambor usado nos rituais místicos das suas lembranças do passado. Avançava leve e sinuosamente.
A distância entre eles não é nem calculada em unidade de comprimento, mas medida em fragmentos de tempos, expectativas e nas frustrações dos egos feridos. A distância cabia no atraso cruel dos relógios, que assinalavam com perversidade todas e uma a uma as ansiedades alternadas de Henrique e de Helena. Era o efeito do esquecimento de que, a bem da verdade, os estranhamentos e separações seriam conceitos ilusórios, pois os dois estariam agora e sempre em permanente contato na essência.
O ano se aproxima do final. As despedidas das horas e dos dias prometem levar junto com ele também as pressas, as ansiedades, os receios e inquietações. O corpo e os ponteiros querem relaxar. Nas quietudes desse descanso, conseguirão ouvir as vibrações que sinalizam, no corpo físico, a sintonia e o cuidado compartilhados, bem protegidos e que residem, justamente, no auto amor e na doce expansão de um abraço universal.
Em constante luta, a cabeça quer irradiar pensamentos, verbalizar vontades… O coração, bater mais forte e apertado, para expressar a intensidade de sua carga afetiva. Tudo aquietado e escondido da distorção de olhares e equívocos daqueles que não despertaram para igual desprendimento. O descanso das máscaras sociais, das aparências, convenções e das imagens que aprisionam solitariamente as pessoas, era um anseio aguardado como um respiro e para limpeza da mente.
O final de ano, encerramento de ciclos, pede apenas que se usufrua do direito de só sermos do jeitinho que a gente é e que poucas pessoas, senão ninguém e muitas vezes nem nós mesmos, sabemos existir essencialmente. O presente sempre esteve ali, junto, aderente. Bastava olhar para dentro.
É preciso ler e reler até que a essência que é tão bem narrada no que você escreve, Thea, seja apreendida mais pelos sentidos do que pela construção racional de uma história longe de ser apenas uma ficção. Cada linha que você escreve tão bem e com tanta simplicidade traz um conteúdo enorme nas entrelinhas e quando escrevemos nelas é porque o reino das palavras já foi conquistado. Obrigada, queridíssima. Te leio e espero sempre poder ter esse privilégio de estar junto contigo.
Como não amar!?? Obrigada, Tici. Você sabe que essa recíproca é super verdadeira, né? Continue brilhando essencialmente e nos brindando com as suas palavras e poemas.