5:41A pane dos seres

por Thea Tavares

Passada a pane das redes sociais, recebo uma mensagem apavorada da minha mãe:

– Diz pra mim se isso é verdade, por favor!!!

A última mensagem dela naquele dia pelo Whatsapp era a de uma figurinha de São Francisco, comemorativa do dia do santo protetor dos bichinhos. Era fofinha… Salvei entre os meus stickers favoritos.

Depois de ler o textão que ela tinha me encaminhado e que havia motivado sua apreensão, respondi em caixa alta: – TOMARA QUE SEJA!

Antes que o leitor se empolgue demais e saia bebemorando por aí, aviso que não se trata da notícia tão esperada, não. O plantonista do Alvorada ainda está de pé, aprontando das suas, uma pior que a outra.

A “notícia”, a que minha mãe se referia, era uma evidente fake news, que assustava as pobres idosas beatas com a ameaça de que o telefone seria clonado, invadido ou teria o chip desintegrado caso, após o tilt, se enviasse algum web card de “bom dia”, “boa noite” e outras saudações desse tipo.

Primeira reação foi uma pontada de inveja: – Por que não pensei nisso antes?

Mas logo, me compadeci da situação. A tristeza da senhorinha era de cortar o coração mais insensível e que gritava socorro em cadeia, visto que havia uma verdadeira procissão de amigas dela da igreja se lamuriando, ansiosas, e sofrendo diante da expectativa da confirmação daquela tragédia de proporções absurdas. Tamanho o sacrilégio!

Enviar mensagens meigas nos grupos daquele aplicativo era a principal (senão a única) diversão das vovozinhas. Vale lembrar que elas andavam privadas da socialização, confidências e fofocas dos encontros semanais na igreja e que a interação nos grupos familiares e das suas relações só foram potencializadas com esse tempo que sobrou e com o isolamento da pandemia da covid-19, em que justamente elas puxavam a fila de outro agrupamento social: o de risco!

A constatação dessa vulnerabilidade me encheu de culpa e de indignação. Fui reler aquela engronha para responder à aflição da mulher com a consideração e o respeito devidos.

– Mãe, é fake da grossa!

– Tem certeza?

– Claro.

– Mas foi uma madame lá da cúpula da igreja que me enviou.

Para mim, aquele carteiraço já soava como o principal indicativo da farsa. Óbvio que não verbalizei.

– Olha só: está citando China blá-blá-blá para se aproveitar do preconceito que foi disseminado em torno das baboseiras apregoadas por conta do novo coronavírus.

Percebi que o argumento não a convencia… Respirei fundo.

– Mas diz, aqui, que uma renomada advogada russa é quem está orientando as pessoas e alertando para o perigo.

– Nossa, uma advogada bam-bam-bam da parafernália da tecnologia da informação… E russa! Isso eu quero checar.

– O nome dela é Olga Nikolaevna. Conhece?

– Hummm… Vamos ver quem é essa tal renomada…

Após uma rápida e rasteira corrida ao Google, a gargalhada explodiu lá das entranhas, como a erupção do vulcão das Ilhas Canárias:

– É a irmã da Anastásia!!!

– Quem? Tá vendo? É conhecida mesmo!?

– Capaz!!

Levei um tempo para me recuperar. A barriga doeu de tanto rir.

– Mãezinha amada, idolatrada, salve, salve, do céu… Essa russa, aí, não é nenhuma advogada e está morta há mais de 100 anos!

– Credo! E você está rindo?

– Pelamoooorrrr… Era uma das grã-duquesas “Romanova”, filha do imperador russo, o Nicolau II, e irmã da Anastásia, que virou personagem de filme, de animação etc. Elas foram executadas com a família no início da Revolução Russa. Mesmo que tivessem escapado do pelotão de fuzilamento, não estariam hoje em condições de espalhar notícias falsas pra geral e assustar as vovozinhas. E se não for essa a inspiração da mentira, era uma tia dela, de mesmo nome, filha do czar Nicolau I, e teria morrido em 1892, quase 30 anos antes da outra.

Silêncio no outro lado, como se ainda relutasse para se desarmar do susto.

– Não sei dizer se a informação histórica na Wikipédia está 100% certa e também não tenho tempo para ir além disso. Mas, agora, assim rápido, é o suficiente para eu dizer pra senhora com todas as letras: é fake, fake, fakezão!

Se soubesse falar russo ou mandarim, usaria esse conhecimento para frisar a repetição e atestar com mais veemência a falsidade.

– Pode avisar as outras apavoradas, que é mentira. Não tem perigo nenhum enviar os cards.

Disse isto sem muita segurança. Não por receio do conteúdo daquela fake news ainda fazer sentido, mas antecipando o retorno daquelas mensagens de “ursinhos carinhosos”. Vamos encarar, força!  Paz e bem, pensei, olhando para a figurinha que ela havia me enviado ao romper do dia. E emendei uma outra prece: orai e vigiai!

– Vou avisar logo, senão elas nem dormem! Disse a pobrezinha, empenhada nessa boa ação.

– Mas, bem de buena, mamis, tenta dar uma controlada nos “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite”, tá legal?

– Eu não mando “boa tarde”. Tem “boa tarde” também?

– A senhora entendeu.

Rezei.

Por três dias seguidos de paz, não recebi nenhuma mensagem fofa dela. Nem sei dizer se era devido à desconfiança resistente, se eu não fui eficiente o suficiente para convencê-la da notícia ser falsa ou se ela entendeu o recado e parou de me enviar as saudações.

Enfim… Depois, fiquei ainda uns tempos matutando sobre a criatividade e a falta de empatia, sim, por trás daquela história criada. A gente que escreve todos os dias, que tem esse hábito até pelo exercício profissional, muitas vezes se pega protelando iniciar dois parcos parágrafos… Vem uma mente criminosa dessas e redige ao menos cinco encadeamentos mentirosos para enfartar as pobrezinhas das tias. Com tanto lote pra carpir, né, não? Valha-me, Nossa Senhora!

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