3:36A noite em que Sale Wolokita salvou a pele de Sylvio Back e as peripécias de Milton Ivan – parte 5

por Paulo Roberto Ferreira Motta

Em síntese, a obra de Back, sarcástica e satírica, mostrava que a participação do Brasil na Segunda Guerra foi apenas uma jogada política. Militarmente, foi completamente marginal, não tendo qualquer importância ao desfecho histórico. Caso ausentes, os brasileiros não fariam qualquer falta. Na verdade, os soldados haviam servido de bucha de canhão para interesses geopolíticos do mundo que então se desenhava. O sarcasmo e a sátira, como dito, foram as linguagens escolhidas. Eram cenas de cinejornais da época realizadas por norte-americanos, que mostravam os soldados brasileiros completamente despreparados, sofrendo com o frio e a saudade do arroz com feijão, enquanto a guerra já estava previamente definida quando chegaram na Itália. A trilha sonora era a tal rádio, que tocava Carmen Miranda o tempo todo.

À medida em que as cenas eram mostradas, a tensão tomava conta do Auditório Brasílio Itiberê. As cenas eram muito fortes porque verdadeiras e verdadeiras porque eram muito fortes.

A ida dos brasileiros ao front foi infame. O que fizeram com os soldados não se faz nem para o exército inimigo. O primeiro contingente, de pouco mais de 2.500 soldados, foi colocado no porão do navio militar norte-americano antes nominado. O Pazuello da época lhes forneceu dois pares de meia, duas cuecas, duas camisetas de algodão, e um uniforme. Quando lavavam as peças ficavam só de cueca no porão. Com o balanço das ondas do mar, os soldados começaram a nausear. A comida, enlatada e fria, lhes provocava diarreia. Os banheiros eram insuficientes para tantos homens e os corredores viraram rios de vômito, urina e fezes. A intendência nem percebeu que meses depois do desembarque seria inverno – para azar da tropa, o mais rigoroso desde muito na Europa de então –, chegaram a pegar 20 graus negativos nas montanhas italianas, e lhes foram fornecidas somente roupas de verão. Os pracinhas tremiam de frio e se enrolavam nos poucos cobertores disponíveis.

Na chegada ao porto de Nápoles, tiverem de ir a pé até o quartel onde receberiam as armas e comida quente. Sim, o Brasil mandou soldados desarmados… Dois mil e quinhentos homens desfilando pelas ruas, com os uniformes sujos, estropiados e sem armas. Muitos eram pretos e mulatos. Vários marchavam enrolados em cobertores. Os napolitanos perguntavam que exército africano era aquele que havia sido aprisionado?! Os americanos explicaram que não eram prisioneiros, eram soldados brasileiros que vinham ajudar a libertar a Itália do fascismo. Os locais continuaram incrédulos.

Os aviadores até se saíram bem. Pilotando os modernos caças norte-americanos, derrubaram vários aviões inimigos e acertaram as bombas nos alvos. Na Praça do Expedicionário, em Curitiba, há um caça da época onde na fuselagem os pilotos pintaram, como fazem até hoje todos os aviadores militares, aviões que derrubaram e as bombas que acertaram os alvos. A artilharia e a cavalaria mecanizada aprenderam rápido a manusear os morteiros, obuses e tanques americanos. Os equipamentos eram todos moderníssimos e extremamente precisos. Os soldados brasileiros, reconheceram os norte-americanos, depois de treinados e adaptados, eram bravos, corajosos e competentes.

O problema era a infantaria, o grosso da tropa. A maioria não havia recebido qualquer treinamento militar. Eram jovens de 18, 19 anos que haviam sido recrutados, sabe-se lá Deus como, pelo país afora. Não sabiam nem segurar um fuzil, quanto mais manusear a arma e atirar. O primeiro sapato que muitos calçaram na vida foram os coturnos que lhes deram, já dentro do navio. Os pés eram chagas de bolhas e sangue. Os oficiais também eram completamente despreparados; alguns poucos, mal e mal tinham participado de uma ou outra manobra.

A tomada de Monte Castelo, celebrada como o maior feito da história militar do Brasil, como se fosse a Batalha das Termópilas, foi, ao menos nas quatro primeiras tentativas, num total de seis, um rotundo e desgraçado fracasso militar. Após a terceira tentativa, um coronel norte-americano resolveu checar os relatórios. Afinal, o tal monte não era tão difícil assim de ser tomado do inimigo; outros tantos e mais complexos haviam caído nas mãos dos Aliados com mais facilidade. O coronel ficou impressionadíssimo com o número de baixas. Resolveu ir pessoalmente ao local, chegando bem a tempo do início da quarta tentativa. Ficou chocado com o que o viu. Os oficiais ordenavam que os soldados subissem morro acima correndo e em linha reta. Evidente que eram alvos fáceis dos ninhos de metralhadoras inimigos. Os granadeiros, sempre correndo, quando iam lançar as granadas eram alvejados pelos franco-atiradores alemães. O coronel começou a berrar para que soassem o toque de recolher. Como os oficiais brasileiros não falavam inglês, demoraram a perceber o que queria o militar.

No dia seguinte, o coronel voltou com vários oficiais e soldados. Levou a tropa brasileira para um monte vizinho, que já havia sido conquistado, e os militares norte-americanos começaram a mostrar que os soldados deviam subir de rastro e em zigue zague para evitar que o fogo inimigo os alvejasse. Os granadeiros, sempre se arrastando, deveriam procurar os buracos que as granadas produziam, entrar nos mesmos, e só então lançarem os artefatos. Os oficiais brasileiros aprenderam com seus companheiros de armas. Quase chegaram lá na quinta tentativa. Na sexta, tomaram Monte Castelo.

Os murmúrios da plateia foram crescendo e algumas vaias começaram a aparecer. A certa altura, caiu a bomba atômica que desandou a noite de vez. Um general norte-americano, como fazem todos os comandantes militares para levantar a moral da tropa, resolveu visitar um hospital de campanha. Um elogio aqui, uma palavra de conforto, um afago, ali. Quase no final da visita, lhe convidam para dar uma olhada na ala dos aliados brasileiros. O general aceita com gosto e, acompanhado por intérprete, começa a falar com os internados. Gentil, indaga a razão de estarem internados. As respostas se sucedem: “levei um tiro na perna”, “gonorreia” (o intérprete gagueja, o general diz que entendeu, a palavra em inglês é quase igual – gonorrhea), “cai e quebrei o braço”, “gonorreia”, “estilhaço de granada no peito”, “gonorreia” … No quinto gonorreia, o general americano pergunta, rindo: “After all, Brazilians came to Italy to fight or to fuck?”. Não precisou nem de tradução.

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