de Newton Sampaio
Encostou-se ao cais. Afundou olhos ansiados nas águas tão serenas, nelas procurando a solução para o mistério dos seres. Mas as águas continuaram serenas, não responderam nada. Era úmido, frio. Um frio que entrava nas carnes, que punha manchas, que punha discretas manchas arroxeadas no livre rosto do homem triste. A luz das lâmpadas – das lâmpadas dispostas sem nenhuma regularidade – se refletia, tremelicando. Os reflexos não tinham sentido, mas eram fiéis, não cessavam.
Jogou as pernas no lado do poente. Caminhou até o fim. Até o ponto em que desaparecia o cais, rebatido pela montanha. Olhou-a de frente. Pareceu-lhe mais inimiga, a montanha, protegida pela noite, dilatada pelas sombras. A lâmpada, que assinalava aquela fronteira, pendia de um poste carcomido, desnivelado, distante dos companheiros. E a sua luz era fraquinha, agonizante, medrosa do vento demar alto que chegava de vez em quando.
Debruçou-se no ângulo da terra com as águas. E sentiu ímpetos absurdos. O mistério crescia, crescia a angústia. As dúvidas se repetiam, renovando-se as torturas. A tortura de penetrar a misteriosa fundura dos destinos. De dominar o significado inicial das coisas. De compreender o sentido daquele coração pulsando magnífico, daqueles nervos que tanta sutileza sabiam colher.
O vento cresceu, o mar engrossou, ficou violentando o cais estripitosamente. As águas perderam a serenidade, mas guardaram – os olhos do homem – o mesmo brilho ansiado. Os olhos então fixaram na lâmpada da fronteira, na lâmpada distante da grande curva iluminada do cais. A luz era fraquinha, parecia agonizar. Mas o homem não queria que ela morresse. Desejou, como todas as forças, que o poste carcomido adquirisse a segurança dos companheiros, e não tentasse tanto o amparo da montanha dilatada pelas sombras.
Lampadazinha solitária, não se apague, não se apague não! Porque aquele homem está desesperado, só lhe resta essa luzinha da fronteira, todas as outras luzes, todos os outros postes se anularam na tormenta. A tormenta se declarou como nunca, o mar invadiu o cais, a cerração domina a cidade, todos os seres se recolheram ao abrigo mais próximo. Por isso não se apague, lampadazinha, não se apague não. A montanha já desapareceu, a água também perdeu a compostura, não sabe o que faz, sobe na terra, volta pro mar, gesticula no ar, doidamente. Só a luzinha da fronteira não fugiu aos olhos do homem. O homem não quer que ela se apague, porque então o desespero não terá remédio. Luzinha, luzinha do poste carcomido! Vá resistindo, vá resistindo sempre, sempre, sempre. Mas, talvez não resista, a luzinha. Talvez acompanhe o coro das trevas, abandone o homem do cais. Agora está piscando. Piscando duas vezes, três vezes, quatro vezes. Ameaça desparecer. Um grito agudíssimo parte do peito do homem, daquele peito abrigando um coração que pulsava magnífico. O grito se perde, não encontra resposta, não ecoa na montanha nem ecoa no mar. A luz ainda não morreu de todo, vai diminuindo, devagar. Mas o homem pede que não o abandonem tanto. Por isso, luzinha do cais, não se apague. Não se apague, não, pelo amor de Deus!