Jaime Lerner pensava grande. São poucos os que têm essa capacidade. As notícias publicadas hoje sobre sua partida são notícias, normalmente frias, juntando fatos e atos do personagem, muito longe do que a pessoa é, de fato, ou seja, da estrada que percorre a alma, o coração e faz a inteligência produzir. Quem via Lerner gaguejar diante das câmeras, não imaginava estar diante de um tímido que não conseguia administrar microfone, luzes e câmera. Ele não precisava. No segundo governo dele, o signatário estava lá, como chefe de redação. Em quatro anos encontrei-o uma vez, na entrada do Country Club, quando foi receber um prêmio. Me apresentaram. Eu sabia que ele era mais que bem humorado, alguém que adorava ouvir e contar piadas sobre judeus, seu povo. Então, contei uma verdade: “Sou você várias vezes, quando escrevo e assino seu nome”. Anos depois, numa entrevista para o aniversário da revista Arquitetura e Construção, quando foi escolhido como um dos maiores nomes do setor, também riu quando, no meio da conversa, descobri que o gravador não tinha registrado nada. “Vamos começar de novo”, disse tranquilo, sentado à cabeceira de uma mesa no famoso escritório do bairro Cabral. Ele morava do outro lado da rua, como sempre divulgou, sobre a necessidade de se morar perto do trabalho. A desgraça da pandemia, da qual foi afetado, acelerou a transformação porque, depois dela, trabalhar em casa será eternizado. Jaime Lerner pensava solucionática para tudo, até mesmo para uma questão fundamental, a do time do coração. Era Coxa, mas dizia ao neto Ben, atleticano que andava com ele pela cidade, que talvez virasse a casaca. Provavelmente não virou, mas a prova do amor incondicional ficou latente na situação. Numa noite fria de Curitiba, com o Palácio Iguaçu vazio, levei o jornalista Juca Kfouri para uma entrevista para a revista Playboy. Aquele homem tímido e que suava frio mesmo sob a luz quente das televisões, se transformava ao desenhar, com traços rápidos, um grande projeto urbanístico que tinha para Curitiba na área esportiva. Não deu certo, mas vê-lo entusiasmado feito guri mostrando planos, valeu para ver um pouco de quem era. O pensar grande estava ali – e era infinito. Lerner achava que até São Paulo tinha jeito. Ao ouvir que a cidade, vista do avião, à noite, parecia uma grande ameba e com tantos problemas quanto o tamanho da população, disse: “Se a transformação for feita pontualmente, em cada bairro, no futuro o conjunto melhora muito”, ensinou – e escreveu, onde comparou isso à técnica da acupuntura. Curitiba, que lhe deu fama mundial, é assim – tanto que cresceu demais nos últimos anos e continua a cidade onde um morador sai de uma grande avenida, dobra uma esquina e está num bairro tranquilo como nos anos 50 – isso sem dizer que pode encontrar uma praça, um parque, um canteiro com quadras de esporte, etc. Sim, há problemas como em toda a cidade, principalmente na periferia, e a boca do curitibano é venenosa, daí as críticas que recebeu também como governador. O que ele fez: andou pelas ruas, sempre foi ao cinema, uma de suas grandes paixões (as outras: comer e viajar). Foi duramente atacado por causa da realização dos Jogos Mundiais da Natureza e pela implantação do pedágio no Estado, além da venda do Banestado. Errou? No caso do banco um dia disse que no futuro ele geraria lucro, por parar de ser sangrado pelas aves de rapina de sempre. Mas, para variar, a maioria esquece que ele, pensando grande, transformou a economia do Paraná ao trazer as montadoras multinacionais de automóveis que, deflagrando uma onda de industrialização, deixou para trás o rótulo de um estado apenas agrícola. Requião, que era inimigo, que o sucedeu no governo, reclamou no começo. Depois que os impostos começaram a encher os cofres, se calou para sempre. Lerner não era político, daí o projeto de muitos em transformá-lo em presidente da República nem decolou. Mas sabia como lidar com a tal classe. É clássica a história de que um projeto do governo, empacado no Legislativo, o fez ironizar: “Quantos Janenes vai custar para a coisa andar?” Lerner era fiel aos amigos. Quando terminou seu segundo governo, uma reportagem do jornal O Estado do Paraná atacou-o dizendo quais pessoas da sua relação tinham ido para o Tribunal de Contas. O nome do signatário estava lá como sendo da “turma do Lerner”. Liguei para a repórter e disse: “Quem me dera!”. Lerner, na verdade, sempre foi admirado porque não só pensava grande – ele fazia. Curitiba, uma das melhores capitais do país para se viver, por isso mesmo faz qualquer um mais ou menos antenado lembrar dele. Um grande, como seu pensamento.
É clássica a história de que um projeto do governo, empacado no Legislativo, o fez ironizar: “Quantos Janenes vai custar para a coisa andar”.
https://www.zebeto.com.br/2021/05/27/um-grande-como-seu-pensamento/
Creio que faltava outros nomes na lista do empacamento
Voce foi um privilegiado ter convivido com este visionario. Pessoas deste porte deveriam ser imortais. Passa o homem, fica sua obra. Uma honra tambem te-lo conhecido. De terno e tenis. Era fora do seu tempo.
Ben , o neto dele é torcedor do Coritiba , diferente do genro, este sim Athleticano