Trechos de “Viva o Povo Brasileiro”, obra-prima de João Ubaldo Ribeiro, que aqui deu voz a Maria da Fé:
“Seu poder constituído para mim é merda, suas instituições para mim são bosta. Vocês chamam dinheiro de verba ou numerário, chamam furto de apropriação, nomeação de eleição, assassinato de execução, vocês se vestem fantasiados e usam palavras que julgam bonitas, assim concluindo que seus atos são legítimos. Podem ser legítimos para vocês, mas não para nós, que nunca fomos nem ouvidos nem cheirados e temos de aceitar o que vocês resolvem por nós e até o que vocês pensam por nós. Então, porque aquele que condena um homem à fome e à miséria tem um papel na mão, isso se torna menos imoral, se torna certo de alguma forma? Vocês vêm nos dizer verdades. Que verdade é essa, que nos humilha, nos diminui, nos transforma em nada, como pode ser isso verdade para nós? Para mim vocês são a encarnação da mentira e da morte. Mas, assim mesmo, é nossa prática que possam falar em sua defesa. Contudo, falem em sua defesa e não para nos atacar, porque lhe faço calar a boca outra vez, aqui não temos necessidade das palhaçadas de sua justiça, que arma grandes pantomimas para mascarar o que toda a gente já sabe que fará: punir o pobre e premiar o rico. Portanto, a finalidade de deixar vocês falarem, se quiserem, não é que acreditemos que, falando, vocês deixarão de ser os patifes, traidores do povo, que são. Mas é que podem dizer alguma coisa que nos interesse. Falem, se quiserem.”
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“O ódio que vocês têm ao povo terá que manifestar-se em toda a sua crueldade e, podem crer, o martírio desse povo poderá ser esquecido, poderá não ser entendido, poderá ser soterrado debaixo das mentiras que vocês inventam para proveito próprio, mas esse martírio um dia mostrará que não foi em vão. Terão de matar um por um, destruir casa por casa, não deixar pedra sobre pedra. E mesmo assim não ganharão a guerra. Só o povo brasileiro ganhará a guerra. Viva o povo brasileiro! Viva nós!”