Os filósofos Peter Singer e Michael Plant, em artigo para a revista New Statesman, respondem afirmativamente. Os argumentos merecem atenção.
Consumidores de droga, sempre haverá. Não porque são fracos ou imorais. Apenas porque são humanos. A busca do prazer, ou da evasão, sempre fez e fará parte da espécie.
Não aceitar a imperfeição humana é declarar guerra à sua própria natureza —o esporte favorito de tiranos e ditadores.
Começando pela descriminalização do consumo, isso permitiria tratar da dependência como se tratam outras doenças. A legalização da produção e do comércio ajudaria a desmantelar as redes criminosas que prosperam, e matam, à margem da lei.
Um mercado regulado, como acontece com o álcool e o tabaco, é a proposta dos autores. Certas drogas seriam vendidas em farmácias, outras em lojas autorizadas para o efeito.
O Estado garantiria a qualidade do produto e, logicamente, preços mais baixos para derrotar o mercado ilegal.
Sou sensível aos argumentos. Sobre a descriminalização do consumo, não tenho dúvidas: Portugal deu esse passo em 2001. Não foi o fim do mundo.
Pelo contrário: o consumo diminuiu e as doenças associadas ao vício baixaram. Haverá coisa mais desumana do que prender um consumidor?
Sobretudo quando a maioria deve ser ajudada e tratada?
Concordo com Singer e Plant: descriminalizar é o primeiro passo para que um consumidor seja reabilitado sem temer represálias judiciais.
Resta o segundo passo: legalizar a produção e o comércio. Como lembram os autores, foi Richard Nixon quem, em 1972, declarou as drogas o “inimigo público número um”. Décadas depois, a guerra não foi ganha.
Admito que sim. Mas será que podemos concluir que a guerra foi perdida?
Será que o objetivo dessa guerra é acabar com o negócio da droga —ou, em alternativa, conter o problema?
O que é válido para o consumo —a imperfeição humana— aplica-se com igual coerência ao tráfico: como garantir que, pela liberalização total do negócio, não haverá um aumento exponencial do consumo?
Segundo a Organização Mundial de Saúde, meio milhão de pessoas morrem por ano devido ao uso ilícito de drogas. Quantas vidas seriam perdidas se o acesso às drogas pesadas ficasse mais fácil? Mais 100 mil? Mais 200 mil?
Aliás, para continuarmos no puro cálculo utilitarista, bem ao gosto de Singer e Plant, será que as vidas que se salvariam pelo fim do tráfico compensariam as vidas perdidas pela liberação total?
Sobre estas questões, silêncio pesado. Esperava mais de dois filósofos que adoram fazer contas.