por Lúcia Guimarães, na FSP
Hunter Biden virou espantalho favorito da direita trumpista durante corrida presidência
O filho do presidente dos Estados Unidos é viciado em crack. Isto mesmo —ainda que Hunter Biden não continue consumindo drogas, como quando o pai era vice de Barack Obama, ele teve uma arma apontada contra a cabeça ao tentar comprar qualquer coisa disponível num acampamento de moradores de rua.
Donald Trump sofreu o primeiro de dois processos de impeachment porque pressionou ilegalmente o presidente da Ucrânia a encontrar sujeira nos negócios do filho de Joe Biden com uma empresa de energia, para tirar o adversário democrata da corrida presidencial.
Mas o submundo de Hunter não passa por Kiev. É descrito em detalhes pelo próprio, no livro de memórias lançado nesta terça (6), “Beautiful Things” (coisas bonitas). O título é uma referência ao que Beau Biden, irmão de Hunter, disse, pouco antes de morrer de um tumor no cérebro, em 2015, lembrando que havia beleza na vida.
ende quem lê o livro, elogiado por críticos pela bela escrita. Aos 51 anos, uma vida de dependência inaugurada quando tomou o primeiro copo de champanhe aos 8, ele narra a experiência que incluiu vários tratamentos e períodos longos de sobriedade.
A enorme atenção que o livro desperta nos EUA é previsível. Hunter virou o espantalho favorito da direita trumpista que explorou, no período dele como executivo da empresa ucraniana Burisma, o conflito de interesse —real— com o posto do pai. O caso foi investigado e não resultou em nenhuma incriminação do atual presidente americano.
Biden filho admite apenas que hoje não aceitaria a oferta do cargo, cujo salário de US$ 50 mil (R$ 280 mil) por mês permitiu um estilo de vida que incluía fumar crack no conforto do abastado hotel Chateau Marmont de Los Angeles.
O lançamento do livro foi precedido por entrevistas em que o autor tenta manter a dignidade em meio à contrição. Mas a melhor introdução ao pesadelo de Hunter e da família Biden foi oferecida numa conversa com outro dependente, o comediante e ator Marc Maron, um pioneiro dos podcasts, entrando na sua terceira década de sobriedade.
Ouvir a gravação de 90 minutos é entrar no mundo onde, como lembra Maron, a pessoa se desprende de qualquer compasso moral ou da realidade familiar. A realidade de Hunter Biden é uma família amorosa que foi sacudida pela tragédia em 1972.
Semanas depois da primeira eleição do Joe, Hunter, Beau e a irmã caçula Amy foram com a mãe Neilia comprar uma árvore de natal. O carro bateu num trator, Neilia e Amy morreram. Joe Biden prestou juramento como senador, em janeiro de 1973, no hospital em que Hunter e Beau se recuperavam do acidente.
A tragédia uniu os irmãos. Beau era a estrela da família, condecorado por servir em combate no Iraque, eleito procurador do estado de Delaware e visto como futuro candidato a presidente. Beau levava Hunter a reuniões dos Alcoólicos Anónimos e era o norte do irmão.
A morte de Beau precipitou o mais recente mergulho de Hunter no álcool e nas drogas pesadas. A certa altura, com o pai ainda vice-presidente, Hunter levou sua fornecedora de crack para morar em sua casa.
Nada do que Hunter Biden fez como advogado e executivo se compara à corrupção da prole de Donald Trump, cujo acerto de contas com a Justiça ainda não aconteceu.
“Beautiful Things” oferece mais do que memórias. Vai também informar futuros historiadores do novo presidente, ao revelar exemplos da decência e do amor incondicional que definem o caráter de Joe Biden.