No dia de sol, o carro quebrou a espinha do cachorro. A boca aberta para o céu. Os dentes querendo engolir logo a morte para acabar o sofrimento. No meio da estrada. A cena congelou. Metade do corpo arriado no asfalto. A outra metade amparada pelas pernas dianteiras. Houve um grito? Nunca vou saber. Talvez tenha sido o silêncio mais ensurdecedor da minha vida. A tela era o vidro traseiro de um dos veículos da caravana. Ele ficou lá para sempre, mas enquanto eu via, ouvia, sofria, torci para algo de misericórdia. Um segundo para tudo se acabar. A paisagem ficou passando ao lado. Mas a boca aberta em ‘v’ e os olhos negros estufados sempre voltaram nela. A morte chegando. Anos depois, alguém com a respiração ofegante veio se juntar àquela cena. Para este ainda pude falar baixinho no ouvido. Uma despedida. Um até logo. Um para sempre.
Em 2012, numa viagem a São Francisco do Sul, estava quase chegando em Sanchico quando, naquela estrada de pista simples, um cachorrinho tentava atravessar a pista, com um grande osso na boca. Pelo retrovisor do meu carro vi quando ele foi atropelado, rodopiou no asfalto com as quatro patas volradas para cima e, quando parou, ficou imóvel. Triste. RIP pequeno dog!