por Igor Gielow
Presidente se apresenta como prócer da vacinação, e recebeu em troca panelaço gigante
Um ano depois de chamar a Covid-19 de gripezinha, um novo Jair Bolsonaro foi à TV na noite desta terça (23). Prócer da vacina, solidário com os brasileiros.
E calcado em mentiras, recebidas desta forma com panelaços em todo o país. Se queria convencer alguém de sua conversão à priorização do combate à Covid-19, terá trabalho.
O famoso pronunciamento de 24 de março de 2020, um século atrás no tempo peculiar da pandemia, completa 12 meses nesta quarta. Naquele momento, Bolsonaro estava no início de sua jornada negacionista circular, só para voltar à rede nacional agora como um governante responsável.
No dia daquela fala, 12 pessoas haviam morrido oficialmente devido ao novo coronavírus. Nesta terça, mais de 3.000, recorde em toda a crise.
Bolsonaro está pressionado, e o pronunciamento comedido mostra isso. A rejeição à condução do presidente na pandemia está no maior nível até aqui, e mesmo aliados e candidatos a aliados fazem críticas ao presidente.
A questão mais complexa para o presidente é estipular quem é ele agora. O conflito sanitário-político protagonizado por ele fora inaugurado numa manifestação em 15 de março de 2020, e só cresceu até o fim do ano.
Derrotado em janeiro na guerra da vacina por João Doria (PSDB-SP), o governador paulista que apostou na Coronavac que agora Bolsonaro trombeteia como um feito de seu governo, o presidente teve de abraçar a contragosto a imunização como a solução possível.
“2021 será o ano da vacinação”, anunciou, tardiamente, Bolsonaro. A concessão no embate com governadores, após ter sua inciativa de questionar toques de recolher em estados ser tolhida pelo Supremo Tribunal Federal nesta tarde, foi não criticá-los.
Não é pouco, dado que no domingo (21) Bolsonaro estava sugerindo que o Exército não permitiria lockdowns. Mas nem tampouco é crível, isso para não falar na apoplexia da crise que quase desandou pela praça dos Três Poderes no ano passado.
Houve a citação usual à importância em se manter emprego durante a fase aguda, potencializada pela variantes mais velozes e mortais do Sars-CoV-2, mas não em uma construção adversativa
Como dizem líderes do centrão, mesmo que receosos de largar os quinhões de poder que Bolsonaro concedeu em troca de barrar ideias de impeachment, Bolsonaro terá de entregar mais se pretende melhorar sua imagem.
Poucos colocam alguma fé na reunião marcada para esta quarta (24), para a montagem de algum tipo de esforço conjunto entre Poderes após um ano de negacionismo.
Bolsonaro também deu posse de forma disfarçada a Marcelo Queiroga, médico que aceitou fazer uma passagem longa de bastão com o desastroso general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde.
O presidente joga com o tempo, e que seu interesse recente em vacinas se converta em alguma celeridade extra na oferta de fármacos à população. Isso desafiado pelas mutações da peste. No seu cálculo, se recupera até 2022.
A medir pelos gritos de “genocida” e “assassino” ouvidos com os panelaços, Bolsonaro terá de fazer mais do que ir à TV mentir sobre o que não fez.
*Publicado na Folha de S.Paulo