7:11Deu match?

por Thea Tavares

Uma amiga, referência de assertividade, foi quem lhe serviu de inspiração: “É só uma outra maneira de conhecer as pessoas, flertar etc. Lembra como era no barzinho? Você via, se interessava pelo visual, trocavam olhares e conversavam. É parecido, só que pelo aplicativo”.

Ainda com aquela sensação de escolher um pedaço de carne na prateleira do açougue e mais demorado que procurar filme no catálogo da Netflix, ela partiu para a empreitada. ‘Bora lá!

– Flamenguista, não. Corinthiano, atleticano, ‘pelamor’! Coxa-branca, gremista… socorro! Bolsonarista, vade retro! Aquele lá esconde o olhar, só tem foto de óculos escuros, então, é não…

A amiga tenta animar:

– Não seja muito exigente! Nesse filtro de idade, se tiver mais que 20 vinte dentes próprios e inteiros na boca, é lucro.

– Credo! A cena migrou do açougue para o mercado de escravos ou de cavalos…

– Passou dos 30, ninguém é normal, filosofa.

“Sou limpinho e cheiroso”. Bingo! – ‘Tá vendo? Não é tão difícil assim entender a alma feminina. Ok!

Dez minutos nessa garimpagem…

– Oi, gostei do seu perfil e das suas prioridades (a palavra “prioridades”, ali, cunhou um misto de pedantismo com seriedade na conversa)…

– Também gostei das suas preferências. O que você está fazendo neste momento?

– Lockdown. (Grossa pra mais de metro!). E você?

– Ouvindo música, bebendo um vinhozinho.

– Desculpe a falta de jeito, mas instalei hoje o app. Um ano de isolamento domiciliar, sabe como é, né? A terapeuta mandou eu me abrir para novas possibilidades, interações, antes que subisse pelas paredes ou ficasse conhecida como a louca da janela no bairro. (Isso foi quase uma D.R.! Disse mesmo que faz terapia, assim, de cara? Pediu pra nascer desastrada e entrou na fila três vezes… Deus é mais!).

– Engraçado você dizer isso… Saio para caminhar todo final de tarde e tem uma pessoa que se encaixa bem nessa definição aí, rsrs.

– Ah, é? O que é que ela faz para merecer o título?

– Fica cantando, falando alto, gesticulando, prestando atenção no movimento da rua, só ainda não vi sapatear… Chama a atenção direto, coitada. Mas eu me divirto muito.

– Jura? Só falta ser eu! Em que bairro você mora?

– No Hugo Lange, assim e assado, próximo a…

– Putz, sou eu… a louca da janela! Pois é, né? Até mais! Foi bom, enquanto durou.

– Rsrsrsrs. Então, gostei de falar com você também. Da próxima vez que passar por aí, mando um tchauzinho, certo?

– Manda não, dá perdido! Vou me sentir como se fosse o Oil Man ou a Borboleta 13. Deixa quieto!

– Hahahaha… Nem. Posso bater uma foto pra postar nas redes sociais?

– Bebeu, foi? Quer morrer, infeliz? Encalhado!! (Pensou).

Em 20 minutos, nem isso: desinstalar aplicativo!

Como no slogan da Band News, 20 minutos foi tempo mais do que suficiente para se mudar de ideia.

– Você desiste fácil! Reclamou a amiga.

A bem da verdade, o pior mesmo do isolamento social é não ter com quem brigar e nem botar a culpa das coisas. De resto, a melhor companhia ainda continua sendo a dos discos e livros e nada mais.

– Amarelona! O xingamento foi outro. Mas a metáfora com a cor é menos nojenta e surte o mesmo efeito narrativo.

2 ideias sobre “Deu match?

  1. Ejak precosssi

    As vezes criamos conceitos, preconceitos e estabelecem padrões de comportamento de deve se encaixar no outro.
    Imagina que as diferenças assim como os elétrons, opostos se atraem, para o equilíbrio e sair da mesmice.
    A louca da janela…todos temos nossas janelas, nossos escapes, frestas, brechas, fugas….somos normais. No fundo vivemos clichês, arquétipos para sermos aceitos na tchurma.

  2. Thea Tavares

    Verdade, Ejak! O que você disse é a mais pura realidade. Qual a sua janela?

    Mas vamos combinar também que o aplicativo pode até facilitar, mas tem uma quantidade e variedade muito grandes de “opostos”, que bagunçam, tangenciam as leis do universo. Rsrs. Ou não… depende do que se busca ali rsrs.

    Abraços!

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